sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Juiz de 'boa sorte'

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O ministro Celso de Mello antecipou sua aposentadoria no STF. Este texto se propõe a oferecer aos poucos leitores que têm acesso a meus garranchos, uma percepção da atuação dessa figura controversa, admirada por alguns e repudiada por outros.

Inicialmente, cumpre destacar que ele não ascendeu na carreira do Poder Judiciário na condição de juiz, por intermédio do respectivo concurso que normalmente seleciona os melhores de sua geração. 

Em sua trajetória como ministro da mais alta Corte, alguns eventos merecem destaque. Em uma ação movida contra o então candidato José Sarney, como ministro, ele votou a favor dos impetrantes e, portanto, contra o político maranhense. Depois, telefonou para o mais destacado assessor do ex-presidente, o jurista Saulo Ramos, para afirmar que o Sr. Sarney tinha razão e ele votou contra porque a causa já estava decidida e anteriormente, a imprensa antecipara o voto dele, contra os impetrantes. O Sr. Ramos disse-lhe que ele era um “juiz de ‘boa sorte’ (m ...)” e desligou o telefone. O Sr. Saulo Ramos registrou o fato em livro disponível ao público.

Na condição de decano da Suprema Corte, o ministro Mello fez um duro discurso contra a atitude do então Comandante do Exército, Gen Villas Bôas, que divulgara declaração em que afirmava que o Exército cumpriria sua missão institucional. Essa declaração fora interpretada como pressão para que o poder Judiciário adotasse decisão favorável aos interesses do povo brasileiro. O discurso do ministro foi uma espécie de desagravo contra uma atitude legítima e só possível de ser considerada não republicana por aqueles que eventualmente possam estar agindo em prejuízo dos interesses da sociedade.

Na atual conjuntura, o decano do STF adotou posicionamentos e decisões controversas e com o potencial de prejudicar a harmonia entre os Poderes conforme estatui a Magna Carta. 

Em diálogo com interlocutor de suas relações pessoais, ele comparou aqueles que militam a favor do atual governo federal com os integrantes do sistema nazista. Não teve o cuidado de evitar que sua afirmação se tornasse pública — ou teve deliberada intenção de fazê-la chegar ao conhecimento de seus contemporâneos.

Em processo em curso no STF, ele determinou que ministros de origem militar, da mais alta respeitabilidade, fossem conduzidos sob vara em testemunho a ser prestado à instância inquiridoras. Enfatize-se que essa expressão, com conotação jurídica, consta do Código de Processo Penal. Porém seu uso em questões envolvendo altas autoridades da República leva a ambiguidade desnecessária, provocativa e inadequada. 

E por último, para citar apenas os casos mais polêmicos, ele decidiu que, em processo que demanda o testemunho do presidente Bolsonaro, que ele fosse ouvido de forma presencial quando a tradição indica que o presidente pode testemunhar por escrito, determinando ele próprio o local e hora em que dará seu testemunho.

Em relação às questões alinhavadas, opinei de forma pública, em comentário sobre artigo divulgado pelo jornal Estadão, onde o articulista caracteriza o ministro Mello como altamente respeitado em sua condição de decano da egrégia Suprema Corte. 

O comentário — apresentado a seguir — está submetido ao limite imposto aos leitores, isto é, não pode ultrapassar 600 caracteres.

 

O sujeito que compara seus conterrâneos com os nazistas é respeitado por quem? 

O caboclo que decide que cidadãos respeitáveis devam ser conduzidos com vara (mesmo em face de lei esdrúxula) é respeitado por quem? 

O cabra que determina que autoridade seja interrogada fora da práxis de exercer [essa autoridade] o direito de escolher o local e data — como o determina a jurisprudência (ou o costume) da egrégia corte — é respeitado por quem? 

Quem é chamado de "juiz de 'boa sorte' (m...)" por jurista consagrado é respeitado por quem? 

Quem escreve tamanha estultice é respeitado por quem cara pálida?

 

Nota. No momento que antecede a entrada em cena os atores de uma peça de teatro dirigem-se para os colegas e declaram: “Merda!”. Nem susto nem grosseria. Conforme a tradição, com essa expressão, o declarante está desejando ‘boa sorte’ para os colegas.

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[Comentário divulgado no Estadão online de 25/Set/2020]

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