sábado, 31 de dezembro de 2022

A casa, a escola e o rio

"O lavrador perspicaz conhece o caminho do arado!"
Homenagem a Oscar Barboza Souto, antigo lavrador e comerciante.
In Memoriam.

Em 2014, visitei Rochedo-MS e apresentei à querida família uma parcela de minha trajetória, vivenciada nos distantes idos de 1956 a 1960, compreendendo as seguintes vertentes: 

– a casa em que morei, contígua a estabelecimento comercial;

– a escola em que estudei o curso primário; e

– o rio no qual quase me afoguei.

A casa. Em 1956, meu saudoso pai, Oscar Barboza Souto, saiu da fazenda do sogro — onde morou nos primeiros 12 anos de casamento com minha mãe, Alaide — e mudou-se para Rochedo. Nesse povoado, antes das núpcias em 1944, fora um dos pioneiros nas artes do garimpo. 

A despeito da exígua cultura formal — na infância, frequentara apenas 3 meses de escola —, nessa nova vivência rochedense, foi nomeado cartorário (Tabelião do Registro Civil). 

Em 1957, Oscar comprou do Elias Daige uma casa que, além de moradia, abrigava comércio decadente. Esse estabelecimento pertencera anteriormente ao comerciante e fazendeiro Issa Nahas.

Após a demissão do cargo de Tabelião, que exerceu durante cerca de 4 anos, Oscar se tornou Juiz de Paz; subsequentemente, vice-presidente do Partido Social Democrático e, em circunstâncias eventuais, presidente do partido. Nessa condição, exibia com orgulho a foto tirada na convenção do PSD, em Cuiabá, ao lado do Presidente Juscelino Kubstchek e do Senador Filinto Müller.

A família morou nessa casa durante mais de 20 anos. Nela, Oscar deu prosseguimento à criação dos filhos. O minguado comércio inicial foi transformado em um dos maiores estabelecimentos comerciais de Rochedo, com a venda de secos e molhados; tecidos, calçados, confecções e armarinhos; ferragens e outros utensílios domésticos; e até mesmo combustíveis, tendo montado o arremedo do primeiro posto de gasolina da cidade — essa caracterização se deve ao fato de que inicialmente era apenas uma bomba manual de processamento de combustível, que, com a chegada da energia, foi substituída por bomba elétrica.

A casa foi pois a fonte de inspiração e de recursos para que Oscar encaminhasse o processo educacional dos cinco filhos. Todos ingressaram em Faculdade. Aléssio obteve graduação em Ciências Militares na AMAN, em Resende-RJ, e graduação em Engenharia, bem como Mestrado no IME, na cidade do Rio de Janeiro — no Exército, ascendeu ao posto de General de Divisão; Angeliqui concluiu Pedagogia em Campo Grande e se tornou supervisora educacional; Aloizio realizou o curso de Advocacia em Dourados, e se tornou delegado de polícia estadual; Agton começou Pedagogia e Direito, e Edna começou Pedagogia, mas ambos não concluíram os cursos e se tornaram contabilistas.

A relevância dessa casa para Oscar, Alaide e seus filhos, é inequívoca e guarda reminiscências afetivas e profissionais inexcedíveis.

Laura, papai Aléssio, Alessandra e Cecília.
Casa na rua Dr. Arnaldo de Figueiredo, s/nº. Abrigou a família de Oscar Barboza Souto, no período de 1956 a 1993. Pertecera a Issa Nahas, que a transferiu para Elias Daige. Este, por seu turno, vendeu-a em 1956 para Oscar.

A escola. Primeiramente, cumpre destacar a arquitetura da fachada, com o ano de origem, 1934, grafado no alto da parede frontal. Fica a dúvida: será que se trata do ano em que foi concebido o projeto ou o ano de construção da edificação? 

A resposta a essa indagação é irrelevante. Cumpre ressaltar a visão dos administradores daquela época. Eles cravaram em um local afastado das virtudes civilizacionais o marco, não raro ignorado, da prioridade e prevalência da Educação para a construção da grandeza humana.

Destarte, urge mencionar que vários jovens, que se tornaram engenheiros, administradores, advogados, militares de nível superior e professores, fizeram o antigo curso primário nessa saudosa escola. É incrível constatar que o ensino era de nível tal, que pessoas de origem humilde, de uma região com pouco contato com centros minimamente desenvolvidos, pudessem dar o pontapé inicial do processo educacional em estrutura tão modesta; algo que na atualidade, com tantos avanços sociais e econômicos, nem sempre é possível.

Dúvida não resta de que a imagem dessa velha escola continua na fronteira da consciência daqueles que tiveram a ventura de trafegar por seus bancos e, especialmente, aqueles que lograram êxito e conquistaram a condição de profissional de nível superior.

Trigêmeas Cecília, Alessandra e Laura.
Pioneira escola construída em 1934; e substituída, em 1973, pela nova Escola Estadual José Alves Ribeiro. A velha e saudosa escola é adequada para abrigar um museu. As antigas e beneficiadas gerações demandam esse presente fundamental para a história e cultura rochedenses.

O rio. As águas ora quase claras ora barrentas, em decorrência do período chuvoso, do rio Aquidauana, exerceram impacto em corações e mentes. Aprender a nadar, atravessar o rio, saltar das pedras ou de frondosas árvores, brincar e até mesmo brigar em suas margens, enfim encarar os riscos inerentes, eram desafios que as crianças e os adolescentes precisavam ser capazes de enfrentar. E aqueles que fugiam da encrenca eram objeto de brincadeiras, de escárnio e de críticas mordazes dos demais — sofriam pois o que hoje se chama pejorativamente de “bullying”.

 

 

Jamais esquecerei que, na quadra dos 7 anos, papai ainda morava na fazenda do vovô e me colocou na pensão da Dª Isabel, em Rochedo, para estudar. Seguindo a tendência dominante, fui para a beira do rio e naturalmente aventurei-me a enfrentá-lo. Comecei a afogar e aí surgiu o anjo salvador: o filho do ‘seu’ Afonso de Araújo Passos, diretor da escola, mergulhou e me tirou da água. 

Quando meu pai soube, prometeu-me uma surra memorável. Por óbvio, não precisava; deveria aprender a nadar, a partir da parte rasa e tranquila — mais tarde, tive êxito. O rio não era virtuoso nem traiçoeiro; os desavisados é que eram vítimas da falta de bom senso.

 

 Levantar-se ao alvorecer, ir à escola na parte da manhã e, à tarde, após o futebol — cujo campo, desafortunadamente, algum administrador destruiu mais da metade para construção de edificações — passar uma boa hora nas águas não tão serenas do rio era fonte de fortalecimento físico e emocional.

Cecília, Laura e Alessandra; Isabel; Alessandra e Aléssio.
O rio Aquidauana nasce na serra de Maracaju (município de São Gabriel do Oeste) e percorre uma extensão de 620 quilômetros até juntar-se ao rio Miranda a cem quilômetros de sua foz no rio Paraguai. Passa pelas seguintes localidades: Fala-Verdade, Baianópolis, Corguinho, Rochedo e a cidade de Aquidauana.

Sonho bom. Essas lembranças — afora a satisfação de me conferir a modesta condição de cronista bissexto — me levam de volta ao passado, sensibilizam e emocionam. Então, permito-me asseverar o seguinte:

    na casa em que morei, contígua ao estabelecimento comercial, ainda criança, aprendi a relevância da família e do trabalho;

    na escola em que estudei o curso primário, tive a percepção do impacto do conhecimento na vida do ser humano; e

    no rio no qual quase me afoguei, aprendi a nadar e valorizar o mérito da superação do infortúnio.

Por isso, dividir esses sentimentos com minha esposa e nossas queridas trigêmeas envolveu-me em alegria e enlevo. Passados alguns anos de nossa visita, rememorar é sonhar o sonho bom, é viver agradavelmente cada momento inesquecível.

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quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

A epopeia de Pelé – 2

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A epopeia de Pelé - 1

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No dia em que o Rei Pelé deixa esse mundo para ingressar na eternidade, é razoável relembrá-lo por intermédio de declarações de seu súditos — chefes de Estado, banqueiros, embaixadores, dramaturgos, cineastas, pintores, and last but not the least, jogadores de futebol.

 

“Filho, Deus lhe deu o dom de jogar futebol. Então, você tem a obrigação de treinar mais do que os outros.”

Dondinho, pai de Pelé, aconselhando o filho, ainda pequeno.

 

“A perfeição não existe, mas quem chegou mais perto dela foi o Pelé.”

Zito, volante do Santos, campeão mundial em 1958 e 1962, na Suécia e no Chile, ao lado de Pelé.

 

“Pelé é um dos poucos craques que contrariaram minha tese.

Em vez de 15 minutos de fama, terá 15 séculos.”

Andy Warhol, artista americano criador da Pop Art.

 

“Na cabeça de muito jogador não passa nada no momento de fazer uma jogada. Na cabeça de Pelé passa um longa metragem.”

Nilton Santos, zagueiro esquerdo do Botafogo, campeão mundial de 1958 e 1962, na Suécia e no Chile, ao lado de Pelé.

 

“Pelé é a figura suprema do futebol. Como Garbo e Picasso, basta-lhe um só nome.”

Jornal britânico Daily Express.

 

“Pelé entrava em campo com corpo, genialidade, alma e coração. Ele desequilibrou o mundo.”

Gilmar, goleiro do Santos, campeão mundial de 1958 e 1962, na Suécia e no Chile, ao lado de Pelé.

 

“Pelé nunca será superado, porque é impossível haver algo melhor que a perfeição. Ele teve tudo: físico, habilidade, controle de bola, velocidade, poder, espírito, inteligência, instinto, sagacidade…”

Jornal britânico Sunday Mirror.

 

“Pelé não é um rei por hereditariedade. Seu reinado não é de força nem de leis. Não foi eleito nem designado, mas reconhecido como Monarca dessa democracia ideal e universal que constitui o futebol.”

Revista France Football.

 

“Qual a diferença entre mim e Pelé? É simples. Eu fui craque e ele, gênio.”

Leônidas da Silva, o maior atacante do futebol brasileiro, na época anterior a Pelé.

 

“No momento que a bola chega aos pés de Pelé, o futebol se transforma em poesia.”

Pier Paolo Pasolini, cineasta italiano.

 

“Posso ser um novo Di Stéfano, mas não posso ser um novo Pelé.

Ele é o único que ultrapassa os limites da lógica.”

Johan Cruyff, um dos maiores atacantes do futebol de seu país (a Holanda) e do Barcelona, em todos os tempos.

 

“Após o quinto gol, eu queria era aplaudi-lo.”

Sigge Parling, zagueiro encarregado de marcar Pelé na final da Copa do Mundo de 1958, na Suécia, na qual o Brasil sagrou-se campeão derrotando a seleção sueca por 5 x 2.

 

“Eu pensei: ‘Ele é feito de carne e osso, como eu.’ Eu me enganei.”

Tarciso Burnigch, zagueiro italiano que marcou Pelé na final da Copa do Mundo de 1970, no México.

 

“Muito prazer, sou o presidente dos Estados Unidos. Você não precisa se apresentar, porque Pelé todo mundo sabe quem é.”

Ronald Reagan, presidente dos Estados Unidos, ao receber Pelé na Casa Branca.

 

“O maior jogador de futebol do mundo foi Di Stefano. Eu me recuso a classificar Pelé como jogador. Ele está acima de tudo.”

Ferenc Puskas, um dos maiores atacantes do futebol de seu país (a Hungria) e do Real Madrid, em todos os tempos.

 

“Subimos juntos, fora do tempo, para cabecear uma bola. Eu era mais alto e tinha mais impulsão. Quando desci ao chão, olhei pra cima, perplexo. Pelé ainda estava lá, no alto, cabeceando a bola. Parecia que podia ficar no ar o tempo que quisesse.”

Fachetti, zagueiro e capitão da seleção italiana na Copa do Mundo em 1970, no México, na qual a Itália perdeu a final para o Brasil por 4 x 1.

 

“Jogava com grande objetividade. Seu futebol não admitia excessos, enfeites nem faltas. Ele quase não fazia embaixadas, não driblava para os lados, mas sempre em direção ao gol. Quando tentavam derrubá-lo, não caía, devido à sua estupenda massa muscular e equilíbrio.”

Tostão, atacante do Cruzeiro, campeão do mundo em 1970, no México, ao lado de Pelé.

 

“Dir-se-ia um rei, não sei se Lear, se imperador Jones, se etíope. Racionalmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: Ponham-no em qualquer rancho e sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em derredor.”

Nélson Rodrigues, dramaturgo e cronista esportivo.

 

“Senti medo, um terrível medo quando vi aqueles olhos. Pareciam olhos de um animal selvagem, olhos que soltavam fogo.”

Overath, jogador alemão nas Copas de 1966 a 74.

 

“Maradona só será um novo Pelé quando ele ganhar três Copas do Mundo e marcar mais de mil gols.”

Cesar Luis Menotti, técnico campeão mundial pela Argentina em 1978.

 

“O difícil, o extraordinário não é fazer mil gols, como Pelé. É fazer um gol como Pelé.”

Carlos Drummond de Andrade, poeta brasileiro.

 

“Em alguns países as pessoas queriam tocá-lo, em outros queriam beijá-lo. Em outros até beijaram o chão que ele pisava. Eu achava tudo isso maravilhoso, simplesmente maravilhoso.”

Clodoaldo, volante do Santos, campeão do mundo em 1970, no México, ao lado de Pelé.

 

“Cheguei com a esperança de parar um grande jogador, mas fui embora convencido de que havia sido atropelado por alguém que não nasceu no mesmo planeta que nós.”

Costa Pereira, goleiro do Benfica, sobre a derrota por 5 a 2 para o Santos na final do Mundial de clubes de 1962.

 

“Quando vi o Pelé jogar, fiquei com a sensação de que eu deveria pendurar as chuteiras.”

Just Fontaine, maior atacante da seleção francesa na Copa do Mundo de 1958, na Suécia, na qual o Brasil derrotou a França na semifinal por 5 x 2.

 

“Você pode estar certo, mas não sabe nada de futebol e eu vi o Pelé jogar.”

Vicente Feola, técnico da Seleção Brasileira, ao psicólogo que afirmou que Pelé era jovem demais para jogar na Copa de 1958.

 

“O Pelé estava muito determinado a levantar a taça Jules Rimet pela terceira vez. Era como se ele soubesse que esse era o seu destino. Ele parecia uma criança esperando pelo Natal.”

Mário Américo, massagista da Seleção Brasileira, sobre o Mundial de 1970.

 

“O grande segredo dele era o improviso, aquelas coisas que ele fazia do nada. Ele tinha uma percepção extraordinária do futebol.”

Carlos Alberto Torres, lateral direito e capitão da seleção brasileira, campeão do mundo em 1958, no México, ao lado de Pelé.

 

“Às vezes fico com a sensação de que o futebol foi inventado para esse jogador fantástico.”

Sir Bobby Charlton, jogador inglês que disputou a Copa do Mundo de 1970, no México, com derrota para o Brasil por 1 x 0.

 

“Pelé jogou futebol por 22 anos e, durante aquele tempo, fez mais para promover a amizade e a fraternidade mundial do que qualquer outro embaixador.”

J. B. Pinheiro, embaixador do Brasil na Organização das Nações Unidas.

 

“Força e beleza. Rapidez e precisão. A elasticidade e a firmeza no gesto que poderia ser de bailarino.”

Oldemário Touguinhó, jornalista esportivo.

 

“Pelé é um jogador especial, com ele começou uma nova era no futebol.”

José Luis Garci, cineasta espanhol.

 

“Pelé é um mito. Todo jogador que ama o futebol tem que se informar sobre ele.”

Zvonimir Boban, atacante da Croácia que foi um dos melhores jogadores de todos os tempos de seu país, e que integrou a seleção croata, terceira colocada na Copa do Mundo de 1998, na França.

 

“Pelé chegou.”

Jornal chileno anunciando a chegada da Seleção Brasileira para a Copa do Mundo de 1962.

 

“Passam os anos, aparecem jogadores excelentes, mas todos sempre se lembram de Pelé.”

Fernando Torres.

 

“Comparar o Pelé com qualquer jogador é impossível. Pelé é Pelé. Ele está em um nível completamente diferente.”

Rivelino, ponta esquerda, campeão do mundo em 1970, no México, ao lado de Pelé.

 

“Pelé foi um jogador excepcional, estupendo. Nós, brasileiros, devemos dar graças a Deus por ele ter nascido aqui.”

Zico, atacante do Flamengo e um dos maiores jogadores do Brasil de todos os tempos (ao lado de Zizinho, Garrincha, Rivelino, Ronaldo Fenômeno e Neimar).

 

“Quando o Pelé chegou ao Santos, falaram que seria o melhor jogador do Brasil. Erraram, foi do mundo.”

Pepe, ponta esquerda do Santos, campeão do mundo em 1958, no México, ao lado de Pelé.

 

“Pelé é onipresente. É a referência do Brasil. Em qualquer parte do mundo em que eu esteja, ao constatarem que sou brasileiro, dizem: Pelé!”

Antônio Carlos de Almeida Braga, banqueiro brasileiro.

 

“Como se soletra Pelé? D-E-U-S.”

Jornal britânico The Sunday Times.


“Com o desaparecimento de Pelé, o futebol perde uma de suas mais belas lendas, senão a mais bela. Como todas as lendas, o Rei parecia imortal. Ele inspirou e continuou a inspirar gerações e gerações de fãs do nosso esporte. Quem não sonhou, quando criança, em ser Pelé?”

Didier Deschamps, técnico da seleção francesa de futebol.

 

“Pelé foi considerado Atleta do Século pelo jornal francês L’Équipe — um equívoco espacial e temporal: ele foi Atleta deste e do próximo  Milênio.”

Aléssio Ribeiro Souto, lateral direito 'perna-de-pau' rochedense, general de divisão do Exército e apreciador do futebol.

 

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domingo, 25 de dezembro de 2022

1º. Encontro de Escritores

"O lavrador perspicaz conhece o caminho do arado."
Homenagem a Oscar Barboza Souto, antigo lavrador, garimpeiro e comerciante.
In Memoriam.

O amigo e infatigável escritor Francisco Gomes Amorim[*] concebeu reunião fictícia de uma plêiade de escritores portugueses e brasileiros já falecidos, realizada no Mosteiro de Alcobaça, em Portugal. Dentre os convidados, convém destacar Camões, Alexandre Herculano, Machado de Assis, Gilberto Freyre, Ariano Suassuna e Guimarães Rosa.

Essa reunião deu origem ao livreto Encontro de Escritores – Uma Reunião Inesquecível”, publicado pela editora Sítio Livro.pt. São autores o Francisco Gomes Amorim e Herique Salles da Fonseca (um escritor português, amigo do Amorim). É oportuno antecipar que este encontro foi seguido por outros três, todos com a maestria habitual com que este, pioneiro, foi concebido.

Valendo-se da elegância habitual, o Amorim presenteou-me com uma versão desse magistral opúsculo. Da contracapa, extraio uma indicação de seu conteúdo:

“Para além da fama como escritores o que levam os literatos desta vida? E do que falam entre eles?

Eis o que ensaiam os autores deste pequeno livro.

Tratando-se de gente culta e educada, uma coisa é certa: nenhum fala da sua própria obra, mas apenas do que aprendeu com os outros.”

O admirável texto é complementado, com uma espécie de epílogo, na forma de crônicas de testemunhas previamente escolhidas; e também com comentários de leitores que tomaram conhecimento do evento pelo blog do autor.

A leitura, realizei-a com alegria. O contato com fragmentos do que essa turma talentosa genial nos fez herdar é incomparável e nos retira das complexidades e grosserias vivenciadas na atual conjuntura, mercê da atuação de políticos, intelectuais, juristas e gente da mídia que nos entristece e envergonha.


Valho-me do ensejo para formular uma provocação ao dileto amigo. Atribui-lhe o título "O Brasil tem solução ...".

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[*] Francisco Gomes de Amorim

     Vale destacar que Francisco Gomes Amorim pertence à rara amostra de seres humanos que atingiram os 90 anos de idade, trabalhando com pertinácia, resiliência, alegria e bom humor. Nessa amostra, não há muitos homens ou mulheres. Dentre eles, podem ser citados:

– Clint Eastwood – Cineasta – 94 anos — Nascim.: 31/05/1930;

– Quincy Jones – Músico e produtor musical – 91 anos — Nascim.: 14/03/1933;

– Lindolpho Carvalho Dias – Engenheiro e matemático (consagrado mundialmente) – 94 anos — Nascim.: 01/03/1930;

– Nestor Silva – Militar e herói de guerra – 104 anos — Nascim.: dd/mm/1920 (A rigor, no sentido estrito, não trabalha, entretanto participa de inúmeras solenidades durante o ano, com deslocamentos, homenagens, entrevistas e discursos);

– Iris K. Bigarella – Escritora –  100 anos – Autora do livro “Chegando Feliz aos Cem Anos – História de uma Apaixonante Jornada” — Nascim.: dd/mm/1923;

– ‘Dame’ Jane Goodall – Antropóloga britânica – 90 anos — Nascim.: 03/04/1934; e

– Miriam Cardoso – Restauradora de obras de arte – 90 anos — Nacim.: dd/mm/1934/

 


 

 

O Brasil tem solução ...

Conforme indica a conclusão das considerações subsequentes, solução há para as distopias brasileiras.

Foram deixados de fora do Encontro de Escritores – Uma Reunião Inesquecível”, os autores que, por infelizes opção e vocação, abrigam em suas mentes o ideário socialista. 

Cabe então cogitar como seria a participação de três integrantes dessa grei — Jorge Amado, José Saramago e Jean-Paul Sartre; este, francês, para confirmar que toda regra pode ter exceção. Tentar é desafiador. 

A seguir, é apresentada uma modesta provocação atinente a esses personagens não incluídos na magnífica obra de Amorim e Fonseca.

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A trindade socialista finalmente deu as caras. Conquanto aparentemente tranquilos, José Saramago, Jorge Amado e Jean-Paul Sartre arrastavam-se sem ocultar o peso da consciência dilapidada. Dirigiram-se para uma mesa em que as taças de vinho ainda estavam intocadas. O diálogo entre Saramago e Amado é surpreendente e esclarecedor.

— Estimado Jorge, no passado,  no livro “Entre Quatro Paredes” (“Huis Clos”),  o Jean-Paul colocou no inferno três personagens para purgarem os vícios cometidos na trajetória terrena, quando cada um achava que “o inferno são os outros” (l’enfer c’est les autres”). Similarmente, deixamos nossa eternidade e, aqui retornamos, para purgar as contradições, os desvios político-ideológicos e a mácula da moralidade e da ética, contidos em nossa forma de pensar e agir.

— É bem verdade, José. E nesse sentido, foi estabelecido que o Jean-Paul deve permanecer calado por ter declarado que “somos condenados a ser livres”, mas venera o sistema onde as pessoas são condenadas a viver sem liberdade; e por não se ter sensibilizado com a divulgação dos crimes de Stalin, por Kruschev, no XXº. Congresso do PCUS. Ademais, a despeito de sua expectativa por uma taça de vinho, ele está impedido dessa facilidade francesa; ele só pode ingerir vodca, que pode ser servida agora, ... ou não!

— E você meu caro Jorge, vai ter que renunciar àquela mulata baiana que está lhe esperando na recepção deste conclave. Em nosso purgatório particular, você está impedido de seguir para a Bahia acompanhado pelo espécimen de imprescindível seio desnudo — por seus próprios vícios e também porque o povo baiano está sujeito ao desastre de uma administração socialista. Só lhe resta uma vantagem: você está impedido de confirmar, in loco, o desastre de quem se propõe a abraçar o socialismo.

— É bem verdade, José! Consolo-me em saber que não estou sozinho nessa expiação. Você, por seu turno, não poderá encontrar-se com sua filha Violante e sua última esposa Pilar del Rio (presentes na recepção deste conclave), e seguir para a vila de Azinhaga, onde você nasceu, e onde seria homenageado pela gente da província Golegã, das queridas plagas lusitanas. É uma pena, dado que não poderá constatar que, de fato, “o ideal de vida é ser uma árvore”, como você bem afirmara, porém se o socialismo prevalecesse em suas plagas de origem, ele desertificaria o ambiente e assim o ideal de vida passaria a ser um deserto.

— Sim. Mas pelo menos não vivenciamos a tragédia do Jean-Paul que produziu “A Idade da Razão” (“L’Age de Raison”), porém em sua trajetória, tendo abraçado o socialismo, abdicou sistematicamente do uso da razão. Mas mudando de assunto, mestre Amado, considerando que sou um ganhador do prêmio Nobel de Literatura, você não acha que eu deveria pleitear um alívio nas medidas que esses irreconhecíveis patrícios lusitanos estão nos impondo?

— Veja bem, José, os cidadãos do mundo estão vivenciando uma questão paradoxal. Eles devem fazer a opção pelo supostamente grande José Saramago ou pelo inequivocamente grande Boris Pasternak? Como assim? Você me perguntaria. Você ganhou o prêmio Nobel por sua obra literária “Ensaio sobre a Cegueira”relato de uma epidemia torturante que aflige os seres humanos; à qual tem semelhança com a tortura resultante da atuação dos adeptos do socialismo que você venera cegamente. Já o Boris Pasternak também foi premiado com o Nobel de Literatura, exatamente porque, com sua monumental obra “Dr. Jivago”, ele realizou robusta e contundente denúncia contra os absurdos do socialismo.


Nesse instante, achegam-se integrantes da comissão organizadora do conclave para entregar o roteiro das próximas etapas do processo. A segunda etapa da purgação que começaria em breve, consistia na terrível sina de que os três malsinados passariam a ficar eternamente mudos. Um dos portadores da informação aduziu que a terceira e última etapa estava ainda em discussão. As opiniões estavam divididas; havia gente pró e outros contra. A proposta inicial era cortar as mãos dos três socialistas para que não pudessem mais escrever e, subsequentemente, eliminar do cérebro a faculdade de pensar, de tal sorte que a moléstia intelectual e moral que portavam deixasse de ser contagiosa; e não mais se espalhasse por mentes desavisadas.

Passada a surpresa das perspectivas subsequentes, os três interlocutores retomaram o diálogo.

— Afável Jorge, é imperioso que arquitetemos uma solução para impedir essa tragédia. Por acaso, não lhe ocorre alguma ideia. Por pior que sejam as nossas, não custa tentar algo. Afinal, sonhos e milagres existem. Basta que os procuremos.

— José, José Saramago! Talvez o Brasil tenha a solução milagrosa. E se nós renunciarmos a nossos ideários, denunciarmos o assassinato de cem milhões de cidadãos no mundo pelo socialismo e ... — embora não haja cadeiras, a gente precisaria se sentar para não ter um AVC! — e se nós propusermos a eliminação, antes de 1º de janeiro de 2023, das faculdades de pensar e agir dos lulo-petistas brasileiros, com a renúncia automática a qualquer cargo público eletivo ou não?

— Brilhante solução, Jorge (tão Amado)! Mas falta apenas resolver a questão daquele careca. Bom, é fácil! Um tiro na testa contraria os direitos humanos, sendo pois inaceitável, contudo, foi concebido um raio laser com o diâmetro tão diminuto que, se destinado à parte central do cérebro, não tem consequência vital, o paciente sobrevive normalmente, porém se torna tão útil quanto qualquer vegetal. Então, chamemos os integrantes da comissão organizadora.

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Por óbvio, o venerável Francisco Amorim não admitiria a inclusão deste texto adicional. Macular a obra não é preciso. Simples assim! Ele jamais quebraria a leveza e a elegância de seu magnífico opúsculo, concebidas com inexcedíveis criatividade e talento.


Demonstrar que ‘o inferno é o socialismo’ (‘l’enfer c’est le socialisme) pode ser objeto de outras obras.