1. Motivação
Em relação à defesa do cidadão Adélio Bispo que, em setembro de 2018, esfaqueou o candidato à Presidência Jair Bolsonaro, o advogado Lucas Krause, sobrinho e afilhado de minha esposa — e que, por deferência, me trata de tio e padrinho — enviou-me os questionamentos transcritos a seguir.
Pergunta 1. O exercício da advocacia sem remuneração pode ser considerada escuso ou sujeito a repreensão por alguma razão?
Pergunta 2. Por qual motivo seria repreensível a atuação de um advogado que defendesse, por exemplo, o sujeito que esfaqueou o candidato Jair Bolsonaro?
Pergunta 3. Um advogado criminal trabalha defendendo pessoas de terem cometido crimes, isso faz dele um criminoso? Se sim, por quê?
2. Apreciação
Quando Cícero candidatou-se a cônsul, em Roma, dois mil anos atrás, seu irmão mais novo, general Quintus Tulius, escreveu-lhe uma carta (Commentariolum Petitionis) aconselhando-o a agir para ganhar as eleições. Na missiva, o irmão transmitiu-lhe todas as trapaças possíveis em política; ensinou-lhe tudo o que os políticos da atualidade praticam, da mentira, da promessa que não será cumprida à corrupção pura e simples — Cícero venceu no primeiro turno (a eleição só tinha um turno!). Então, não há novidade no que o petismo praticou (e pratica!) no Brasil de forma recorrente — vale dizer, a maior corrupção identificada na história da humanidade. A novidade é a escala, a abordagem sistêmica, endêmica, vultuosa, impensável.
Inferência 1. O antecedente histórico não justifica o procedimento presente.
Segundo nos conta Platão (em Apologia de Sócrates), ao ser acusado e processado, na Grécia, dois mil e quatrocentos anos atrás, Sócrates negou-se a usar procedimento habitual para evitar a condenação à pena máxima; recusou a aceitar a oferta de um amigo rico, para fugir na véspera da execução de sua sentença; e enfrentou as consequências de suas ações, com discernimento e bravura.
Inferência 2. A legalidade não justifica a quebra da moralidade e da ética.
O código de ética da OAB prevê a vedação de publicidade/marketing por parte dos escritórios de advocacia. Desta forma, um dos métodos mais antigos e tradicionais de se conseguir visibilidade no meio social, baseia-se na atuação ‘pro bono’ (gratuita) para pessoas envolvidas em casos emblemáticos.
Inferência 3. É vedada a publicidade/marketing para advogados.
Inferência 4. Se o código de ética veda a publicidade, então não pode existir outro método de publicidade. Usar outro método explicita a fraude, o engodo, a trapaça — seja qual for o costume ou o precedente histórico.
Inferência 5. O código dos advogados não poderia se chamar ‘código de ética’. Isso envergonharia Sócrates. Para Sócrates — minha referência — a morte é o limite para quem se dispõe a ser ético, verdadeiro e decente.
O Adélio ou sua família deveriam apresentar um advogado para a defesa do autor do atentado. Caso isso não ocorresse, o estamento judicial deveria providenciar um defensor público para ele.
Inferência 6. É direito inalienável do Adélio à sua defesa por parte de advogado, seja por iniciativa própria ou por iniciativa da justiça.
No vaivém que a evolução desse infausto acontecimentos, constatou-se uma sequência de coincidência no mínimo curiosas.
Há cerca de 20 anos, o candidato Bolsonaro vem pregando o endurecimento das ações legais e judiciais do Estado contra as atividades criminosas. Há dezenas de projetos de lei que ele submeteu ao Parlamento e que foram ignorados pelos demais integrantes da Câmara dos Deputados.
Há pelo menos seis vídeos circulando há algum tempo com afirmações inequívocas de que a violência deveria ser utilizada por integrantes da esquerda brasileira contra os oponentes.
No primeiro momento, a imprensa divulgou que o Adélio era um “lobo solitário”. A imprensa tem movido pertinaz combate e resistência à candidatura Bolsonaro. Transmitir conclusão do que ainda não foi devidamente analisado é polêmico e questionável.
No início da investigação, a Polícia Federal divulgou que possivelmente o Adélio era um “lobo solitário”. A gestão da Polícia Federal em Minas Gerais está alinhada com o PT, notadamente porque o governador do Estado é do PT. O aspecto político tem pouca relevância, mas a formulação de juízo de valor sem a investigação correlata é inexplicável.
Em menos de uma hora do atentado, quatro advogados estavam em Juiz de Fora para defender o acusado.
Inferência 7. É coincidência demais para o Sócrates. Não me refiro ao filósofo grego. Refiro-me a um macaco fictício Sócrates, que representa inexcedível metáfora das incongruências humanas.
É relevante mencionar os testemunhos colhidos com interesse para as respostas demandadas e as respectivas consequências.
O primeiro fato envolve um casal de advogados. Eles partiram da estaca próxima de zero (em termos de bens, notoriedade, etc), após terminarem a faculdade. Atualmente, antes dos quarenta anos de idade, são proprietários de casa própria em terreno de 20.000 m2, casa sede do escritório de advocacia, fazenda de 400 hectares.
Outro casal de advogados pode ser considerado. Eles também partiram da estaca próxima de zero, após terminarem a faculdade. Eles são proprietários da casa própria e casa sede do escritório de advocacia, ambas de elevado padrão. Por volta de 35 anos, o marido tinha participado de 30 julgamentos em tribunal do júri — ganhou todos (todos, eu disse!).
A menção agora é um advogado que foi delegado de polícia durante cerca de 30 anos. Advoga na atualidade. Quando delegado, mais de uma vez, na condição de plantão, em final de semana, recebeu propostas de dezenas de milhares de dólares para soltar traficante. Jamais aceitou. Um pequeno problema: não raro, o delegado que o substituía no plantão aceitava a oferta e libertava o traficante. Não raro, recebeu ameaça de traficante por sua atitude.
Consultados esses advogados sobre a possibilidade de aceitação da defesa do Adélio, houve unanimidade na resposta: eles jamais aceitariam a defesa do Adélio nas condições ocorridas em Juiz de Fora. O criminalista do testemunho 2 disse que poderia aceitar se consultado pela família do Adélio, desde que de acordo com as regras comerciais-financeiras vigentes. Esse criminalista alegou que se o Adélio ou sua família não apresentassem advogado, o estamento judicial deveria providenciar um defensor público para ele.
Os advogados citados foram unânimes em declarar que, aparentemente, não há ilegalidade na atuação dos advogados que se ofereceram para defender o Adélio; entretanto, aqueles advogados atuaram em detrimento da ética, da moralidade e da decência.
Não tenho dúvida em asseverar que obteria dezenas de testemunhos de advogados que, contrariamente aos testemunhos citados, aceitariam a defesa de Adélio nas condições ocorridas em Juiz de Fora. Todos se apoiariam em precedentes históricos e na legalidade da aceitação. Entretanto, todos contrariariam as Inferências 1 a 5 — todos atuariam, como testemunharam alguns advogados, em detrimento da ética, da moralidade e da decência.
NOTA.
A consulta citada é fictícia; não existiu. Ela é produto de minha imaginação. A rigor, eu criei a resposta à irreal consulta com base no que imagino seja o mandamento da ética — ou seja, se advogado fosse, eu agiria da maneira como foi descrita.
É uma falsidade utilizar um argumento fictício?
É ético utilizar um argumento fictício, supostamente resultante de alicerce ético?
É essa a forma típica de um advogado argumentar e agir?
As respostas não são triviais. Mantive o procedimento por achar que o raciocínio levou a uma conclusão sensata, lógica e racional. E também porque da conclusão não resultaria prejuízo para quem quer que seja.
3. Conclusão
Do que foi exposto, formulo as respostas consequentes a cada uma das indagações propostas.
Pergunta 1. O exercício da advocacia sem remuneração pode ser considerada escusa ou sujeita a repreensão por alguma razão?
O exercício da advocacia sem remuneração, se praticada de acordo com os estatutos legais e sob a égide da ética, da moralidade e da decência, é inequivocamente virtuosa.
O exercício da advocacia sem remuneração, se praticada em detrimento da ética, da moralidade e da decência, é não apenas reprovável, é uma abjeção que denigre e conspurca o ser humano.
Pergunta 2. Por qual motivo seria repreensível a atuação de um advogado que defendesse, por exemplo, o sujeito que esfaqueou o candidato Jair Bolsonaro?
Poderia ser repreensível em cada um dos três contextos explicitados a seguir.
Caso tenha sido sem remuneração, pela busca de publicidade, a atuação dos advogados afrontou a ética, a moral e a decência, pois a publicidade é vedada pelo código de ética dos advogados.
Caso tenha sido por motivação político-ideológica, a atuação afrontou a verdade e portanto a democracia.
Caso tenha sido com remuneração não declarada, para ocultar a fonte, trata-se de atividade criminosa pura e simples.
Pergunta 3. Um advogado criminal trabalha defendendo pessoas de terem cometido crimes, isso faz dele um criminoso? Caso sim, por quê?
Defender pessoas de terem cometido crimes, sem afronta à lei, à ética, à moral e à decência não torna o advogado um criminoso.
Os melhores exemplos que posso me lembrar são: (i) o advogado que defendeu o comunista Luís Carlos Prestes; (ii) o advogado que defendeu, nos Estados Unidos, o espião soviético Rudolf Abel.
Os dois advogados estão entre as grandes referências humanas para a história, para a cultura e para a civilização.
Se o advogado criminal defende pessoas de terem cometido crimes, com afronta à ética, à moral e à decência, isso não o torna criminoso. Porém ele age como um canalha desprezível e indigno dos pilares fundamentais da democracia e contrário à faculdade primacial do ser humano que é a busca da paz e da harmonia.
# # #