sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Eu me envergonho, José


Eu me envergonho, José, da cúpula do sistema judicial brasileiro. 

Eu me envergonho, José, da opção judicial de quem foi investido na devida responsabilidade em razão dos laços genéticos com o respectivo investidor.

Eu me envergonho, José, do uso do espinho da rosa para a prevalência do mal. 

Eu me envergonho, José, do abandono da previsão constitucional, por ocasião de imprescindível ponto de inflexão da República.
  
Eu me envergonho, José, da decisão judicial de quem não raro é associado com negócios revestidos de polêmica. 

Eu me envergonho, José, da consciência de que aqueles que envergonham também envelhecem e permanecem.

Eu me envergonho José, da gestão judicial daquele que não logrou êxito em concurso para a função judicante. 

Eu me envergonho José, da distorção da concepção de notável saber jurídico e reputação ilibada. 

Eu me envergonho, José, da interpretação da Constituição — diferente do que é praticado em mais de 150 países do mundo, inclusive em todos desenvolvidos e com elevado grau de respeito pelas conquistas civilizacionais — de tal forma a permitir que, no Brasil, a criminalidade institucional prossiga com a sensação de impunidade com a qual historicamente convive.
  
Eu me envergonho, José, da metáfora admitida por largas parcelas da sociedade para o sistema judicial brasileiro: vergonha. 

E agora José? 

Eu invejo o poeta porque mesmo tendo ido tarde — e embora tendo sido adepto de ideologia da qual discordo frontalmente — , ele seguiu a tempo de não se envergonhar do atual estado de coisas da justiça. 

Eu o invejo, José, meu irmão, porque você se foi tão cedo, tão precocemente, e da mesma forma que o poeta, não precisa se envergonhar. 



[Texto Divulgado nos comentários online, contíguos a artigos dos jornais Estadão, Correio Braziliense e Globo, de 8/Nov/2019]
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