Prezada Professora Márcia,
O objetivo desta mensagem é transmitir para a senhora um agradecimento...
Recebi seu livro “Passagem do Agreste”, mas inicialmente tive que deixá-lo de lado. O tempo passou e, agora, cumpri a meta pretendida, avancei célere por suas páginas plenas de criatividade e, mais rápido do que imaginava, concluí a leitura.
Convém mencionar que há mais de sete décadas, nasci na campanha, não tão longe da fímbria do pantanal sul-mato-grossense. Aos 7 anos, deixei a casa dos pais e realizei o curso primário na cidadezinha de Rochedo que, naquela época, tinha cerca de 2.000 habitantes. Depois, fui para Campo Grande, onde fiz o curso ginasial. Em seguida, desloquei-me para as alterosas para fazer o ensino médio — assim, entrei em contato com a realidade mineira, na inesquecível Barbacena.
Nesse sentido, as descrições contidas em seu livro guardam uma certa parecença com a realidade geográfica e procedural que vivenciei na infância e na adolescência, o que se justifica pelas semelhanças entre as várias regiões de nosso ‘Brasilzão’ e, por óbvio, por algumas semelhanças entre as regiões onde se situam Campo Grande e Três Corações do Rio Verde, respectivamente. E, também, porque o personagem principal, o Zequinha Fartura — que evoluiu da infância até a velhice em Três Corações ou em suas proximidades — andou pelas veredas mato-grossenses, de onde eu próprio saí para o encontro com meu destino.
Na evolução da estória, a construção do modo de falar das pessoas do interior, daqueles cuja origem está nos sertões, especialmente, onde prevalece a mineiridade, empurra o livro para a vanguarda de outras grandes obras de nossa literatura. Trata-se do reconhecimento de nossa riqueza social, independentemente, do grau de escolaridade dos cidadãos interioranos.
A condução das vivências dos personagens — de forma intencional ou não! — se constitui em metáfora das conjunturas de nosso grandioso País. Uma grande extensão geográfica, uma avultada população e inexcedíveis riquezas naturais são contrapostas por indigência no setor educacional; por insuficiência na infraestrutura sanitária; por insuperável desigualdade de renda e por inaceitável disparidade de oportunidades para os cidadãos. A aludida metáfora se potencializa quando buscamos a caracterização dos agentes políticos, judiciais e empresariais, bem como da pobreza de suas respectivas atuações na gestão pública.
E, nesse contexto, as lideranças brasileiras podem até perceber, saber e conhecer, mas ignoram o pensamento do poeta John Donne, quando, no século XVII, indagou:
“— Por quem os sinos dobram?”
E respondeu:
“— Eles dobram por ti!”
Essas lideranças jamais aduziriam:
“— De fato, eles dobram por nós, até porque quando alguém se vai um pouco de cada um de nós segue junto!”
Ademais, entendo que a magnífica construção de seu livro daria um filme monumental, desses que só Akira Kurosawa poderia conceber. Vale lembrar que o mestre japonês tinha cogitado de acabar com a própria vida; mas tinha que encerrar sua já iniciada obra cinematográfica "Dersu Uzala", sobre um explorador da Sibéria. Ao concluir, o resultado ficou tão bom que ele inferiu ser a vida valiosa, e decidiu continuar vivendo. Afinal, ele concebeu Dersu, um velho camponês que ajudava o personagem explorador; e que, ao descansar, junto à comitiva, em uma casinhola abandonada no meio do deserto siberiano, colocava fósforo e gravetos no alto da parede, para que quando outros, que ele jamais conheceria, ao passarem no inverno, tivessem aumentada a possibilidade de sobrevivência.
Enfim, as citadas lideranças nacionais ignoram a universalidade da obra da professora Márcia, o questionamento de John Donne, bem como a igualmente virtuosa obra de Kurosawa. Então, é imperioso destacar que, metaforicamente, “Passagem do Agreste” identifica o modus faciendi de nossas lideranças, tanto em épocas passadas quanto na atualidade.
Bom, perdi-me em divagações... Devo enviá-las para a gentil mestra? Talvez, sim; talvez, não!... Talvez sim! Os professores devem dar atenção para os melhores alunos; mas devem sobretudo cuidar daqueles que, por limitações resultantes da condição humana, desconectam-se do contexto, como fiz agora.
Então, digníssima professora Márcia, estou enviando estes mal traçados garranchos com o inarredável objetivo de lhe transmitir o agradecimento pelo privilégio que me concedeu ao me enviar sua admirável obra-prima.
Com votos de sucesso e com admiração,
Aléssio Ribeiro Souto
Brasília, 29 de julho de 2025
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