segunda-feira, 10 de julho de 2023

Crendice popular, coincidência e contradição

Ao tratar da Expedição Científica Roosevelt-Rondon — que, nos anos 1913 e 1914, partindo da confluência dos rios Apa e Paraguai, explorou, pela primeira vez o rio da Dúvida (afluente do rio Madeira), batizado, em meio à expedição, de rio Roosevelt —, o livro “Rondon, Uma Biografia”, de Larry Rohter, traz uma passagem que trata do assassinato do cabo Manoel Vicente da Paixão pelo trabalhador Júlio de Lima, por ter sido denunciado pela vítima por roubo de alimento.

Nesse contexto, segundo Rohter, “França o cozinheiro da expedição, disse as últimas e funestas palavras: ‘Paixão segue Júlio e há de segui-lo sempre’, advertiu, citando uma superstição popular. Ele ‘caiu de frente, sobre as mãos e os joelhos, e, quando um homem cai assim, seu espírito perseguirá até a morte o assassino’ .

De forma oportuna, Rohter relata também que, naquela épica expedição, uma das poucas divergências entre Rondon e Roosevelt deu-se por causa do destino cogitado para o criminoso Júlio — os debates foram intensos e inconclusos. O ex-presidente americano defendia a prisão e morte imediata do malfeitor; já Rondon preconizava a prisão e, posterior julgamento, em Manaus, de acordo com as leis brasileiras. Júlio fugiu e adentrou a mata, mas depois de algum tempo, a falta de alimento o fez tentar a reaproximação com a comitiva. Em dado momento, foi visto do outro lado do rio da Dúvida, gritando e pleiteando a readmissão. Roosevelt chegou a engatilhar e apontar o fuzil, porém desistiu de praticar seu intento. O criminoso foi deixado à sua própria sorte e jamais reapareceu.

O conhecimento desse caso me trouxe à lembrança uma antiga tragédia familiar. No início da década de 1910, meu avô José Francisco Souto, um delegado coletor de impostos da produção agrícola no município de Jequié, deu ao filho adotivo Aniceto um sítio para que ele pudesse cultivar a terra e ter seus próprios meios de subsistência.

Em 1921, no retorno de seu compromisso fiscal, na zona rural, José Francisco era aguardado por Aniceto, supostamente com a meta fazer o pagamento de seu próprio débito de imposto. Então, inexplicável e supreendentemente, o filho adotivo sacou da arma e atirou contra o pai, atingindo-o no braço e causando a morte, dado que o projetil estava envenenado. Crime encomendado? Não importa a razão — nada obscurece seu caráter hediondo!

De acordo com a crendice popular, como a vítima fora enterrada de bruços, Aniceto não conseguia fugir e, com frequência, retornava ao local do sepultamento. Assim, encontrado por familiares de José Francisco junto ao túmulo, ele fora aprisionado e, sem que houvesse qualquer divergência, forçado a ingerir substância venenosa, vindo a falecer da mesma forma como tirara a vida de seu benfeitor.

A morte do patriarca deixou nas mãos da viúva a responsabilidade de prosseguimento da criação de 7 filhos, o que fizera com presciência e responsabilidade. Hoje, descendentes espalham-se pela Bahia, São Paulo, Mato Grosso do Sul e Distrito Federal — e por mais contraditório que possa parecer —, com a consciência de que a luta por um mundo melhor é atribuição primordial dos seres pensantes, em mais uma coincidência com o inabalável pensamento do mato-grossense Rondon.

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