sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Militares na política

Um cientista político que conheci nos idos de 2018 informou-me que fora convidado para fazer uma palestra na OAB de Brasília sobre os militares brasileiros.

Então, ele pediu minha opinião sobre o tema, tendo como pano de fundo o artigo “Os militares na política”extraído de sua dissertação de mestrado, que entre outros aspectos trata de:

-      citação de “A longa noite hobbesiana”, do Dr. Oliveiros Ferreira, atinente ao protagonismo militar na política brasileira; e

-      “Os anos de chumbo”, do interlocutor amigo — relativo à contrarrevolução de 1964.

Fiz um esforço para posicionar-me de forma adequada. Minha resposta é apresentada a seguir.

 

 

Prezado amigo ...

Em relação ao texto “Os militares na política”, não me sinto suficientemente qualificado para expressar juízo que agregue valor aos fatos e visões nele expressos. Verdadeiramente, não sei como contribuir para o trabalho do distinto amigo.

Permita-me então, como aprendiz das coisas humanas, formular onze indagações.

Conheci pessoalmente o Dr. Oliveiros Ferreira. Assisti a palestras e li livro de sua lavra. Sobre “ ‘A longa noite hobbesisana’ ... o período no qual as Forças Armadas protagonizaram forte influência na condução do processo político brasileiro” — se ele ainda estivesse entre nós e fosse possível encontrá-lo, indagar-lhe-ia:

1)   Essa noite durou mesmo 164 anos (de 1821 a 1985)? 

2)   O senhor não está meio que conectado a 1964 e, nesse sentido, não estaria fazendo alguma confusão? 

3)   Um intelectual do seu porte atribuir a todos os integrantes da elite do Império e da primeira metade da República a desqualificação (inferência óbvia!) para lidar com os negócios sob suas respectivas responsabilidades não seria um exagero e um desrespeito à memória de tantos cidadãos ilustres?

4)   O que Hobbes preconizou em “Leviathan, or The Matter, Form and Power of a Commonwealth Ecclesiastical and Civil”, em 1651, não estaria mais em consonância com o que seus herdeiros, os patronos do nacional-socialismo e do socialismo real, empreenderam?

5)   Na citada obra, Hobbes inicia o capítulo XXI asseverando que “O significado da palavra liberdade, em seu sentido próprio, é a ausência de oposição (entendendo por oposição os impedimentos externos ao movimento) e esse termo se aplica tanto às criaturas racionais como às irracionais e inanimadas.” (Que se releve as impropriedades de uma tradução livre e não tão responsável).

Então, agora a pergunta: o senhor não acha que Hobbes, tendo sido um mau matemático — lembremos que sua atitude e influência contribuíram para atrasar a evolução dessa disciplina em seu tempo; que o digam Newton e Leibnitz, em relação a sua oposição ao desenvolvimento do cálculo infinitesimal — enveredou para a intranquilidade e, por isso, cuidou de preconizar o autoritarismo que tantos males seus adeptos Goebels, Beria e cupinchas causaram? 

6)   A afirmação “Nesse século e meio, foram pelo menos 15 as intervenções políticas dos militares em momentos decisivos da história brasileira” o conduz a propugnar que a lamentável indigência foi dos militares (incapazes de lidar com as questões de governo) ou foi — a indigência, enfatizo — das elites políticas e da intelectualidade, por déficit de estatura para estar à frente de um país com as dimensões do Brasil?

As indagações subsequentes e que me permitiriam uma melhor compreensão de nossa história dizem respeito a “Os anos de chumbo”.

7)      A expressão “violenta repressão militar” não deveria ser contextualizada para esclarecer que ela foi dirigida contra aqueles que defendiam o ideário e os empreendimentos do sistema que mais assassinatos causou na história da humanidade (mortes com um estado de estupidez tão impressionante que ultrapassa o que se possa imaginar, isto é, mais de 100 milhões de pessoas, em cenários de inexcedível barbarismo)?

8)      Não seria o caso de contextualizar para evitar que os militares brasileiros — na atualidade a amostra de universo e instituição mais respeitados do Brasil — sejam estigmatizados de forma indevida, porque em dissonância com fatos, eventos e acontecimentos (vejam que não me refiro a opinião, a diferenças na forma de pensar)?

9)      Não seria o caso de acrescentar, com precisão, correção e disciplina intelectual, a circunstância de que não há precedente na história do ‘homo sapiens’, algum meio de combater a estupidez, a violência e a doença do desapego à liberdade, sem a contrapartida da violência (vale dizer, quem promete chumbo, chumbo quer! Como testemunho, convém lembrar que os alemães derrubados na Itália em 1945, por brasileiros, chega à ordem de grandeza do milhar; isso para não falar das quantidades de inimigos derrubadas com muita violência (inclusive com bomba atômica) por americanos, britânicos e franceses)?

10)  No que concerne ao “sentimento de desprezo que a caserna nutria pelos civis” e o “desprezo atávico dos militares pelos políticos”, será que isso se alterou no século XXI?

11)  Será que os militares do ano de 2020 nutrem um sentimento oposto a “desprezo simples” ou a “desprezo atávico” por políticos da estirpe de Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Luís Lula, Rodrigo Maia, José Dirceu, Dilma Roubbef, Gedel Lima, Alcolumbre, Dória, Witzel e dos mais de 150 deputados e mais de 35 senadores envolvidos em acusação e processo judicial por corrupção e outros desvios doentios? 

Caro amigo ...,

Eu tenho enorme dificuldade para responder às perguntas que formulei. Tentei esticar ao máximo o elástico da provocação. Sei que há uma boa dose de controvérsia nos possíveis temas levantados. 

Entretanto, pensar sobre essas controvérsias é conveniente para que o palestrante possa, com honestidade e ética, fazer face às elevadas responsabilidades que lhe estão atribuídas ao aceitar o convite para influenciar, impactar e contribuir para que seus interlocutores saiam melhor qualificados do que quando entraram no ambiente de interação com o senhor.

Augurando saúde e alegria,

RS

 

 

 

 

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Os “embüdantes” e a democracia


Biden ou Büden? É preferível Büden. Nesta eleição de 2020, o Sr. Büden “embüdou”. Nenhuma surpresa, exceto para os institutos de pesquisa e para a mídia, que também “embüdaram”. Em sua evolução, o ser humano deu o primeiro salto quando agregou, aos movimentos dos membros superiores, a possibilidade de comunicar-se por intermédio da fala. O passo transformador subsequente foi o acréscimo, à faculdade de comunicação, a transmissão de conhecimento por meio da escrita. 

Na atual conjuntura, os seres humanos estão vivenciando a terceira transformação primacial: a desmoralização dos institutos de pesquisa e dos jornais divulgadores dos resultados fraudados pelos primeiros, em uma propagação da fraude. A diferença entre as três mudanças evolutivas: nas duas primeiras, houve o acréscimo de faculdade essencial; na atual, constata-se a substituição, isto é, a eliminação da que se tornou ultrapassada. 

É interessante notar que, no Brasil — com mais de 150 deputados federais e mais de 35 senadores envolvidos em acusações e processos de investigação, uma cifra recorde e inaceitável —, seus cúmplices nos institutos de pesquisa e nos jornais deveriam ser submetidos não apenas à execração do público em geral, como também aos desígnios do poder judiciário; obviamente, se este não estivesse na contramão do que se espera em uma sociedade democrática onde prevaleça a liberdade, a verdade e a ética.

Enfim, essa avaliação crítica dos institutos de pesquisa e da mídia não significa pensar que a vitória de Büden (que não contribuirá para a boa evolução do mundo) não acontecerá. Se isso ocorrer, não resta senão lamentar.

 

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Biden or Büden? Büden is preferable. In this 2020 election, Mr. Büden “embüded”. No surprise, except for the research institutes and the media, which have also “embüded”. In its evolution, the human being took the first leap when it added to the movements of the upper limbs, the possibility of communicating through speech. The subsequent transforming step was the addition, to the faculty of communication, the transmission of knowledge through writing.

At the current juncture, human beings are experiencing the third primary transformation: the demoralization of research institutes and newspapers that disseminate the results that the former had defrauded, in the spread of fraud. The difference between the three evolutionary changes: in the first two, there was an addition of essential faculty; in the present, there is a substitution, that is, the elimination of what has become outdated.

It is essential to note that everywhere in the world, there is a high percentage of politicians involved in lying, fraud and corruption. So, there is nothing new in what was observed in the antecedents of the American election: a significant portion of professionals from research institutes and newspapers are accomplices of politicians. Can the political animal Aristotle spoke of contribute to the evolution of democracy in this way? Or is a transformation of thought necessary for the freedom, truth and ethics that are the foundations of Western civilization to prevail?

Anyway, this critical assessment by research institutes and the media does not mean thinking that Büden's victory (which will not contribute to the good evolution of the world) will not be true. If that happens, there will be only regrets.

 

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Biden ou Büden? Büden est préférable. Lors de cette élection de 2020, M. Büden a «embüdé». Pas de surprise, sauf pour les instituts de recherche et les médias, qui ont eux aussi «embüdont». Dans son évolution, l'être humain a fait le premier pas en ajoutant aux mouvements des membres supérieurs, la possibilité de communiquer par la parole. L'étape de transformation ultérieure a été l'ajout, à la faculté de communication, de la transmission des connaissances par l'écriture.

À l'heure actuelle, les êtres humains vivent la troisième transformation primaire: la démoralisation des instituts de recherche et des journaux qui diffusent les résultats que les premiers ont fraudés, dans la propagation de la fraude. La différence entre les trois changements évolutifs: dans les deux premiers, il y avait un ajout de faculté essentielle; dans le présent, il y a une substitution, c'est-à-dire l'élimination de ce qui est devenu dépassé.

Il est essenciel de noter que partout dans le monde, il y a un pourcentage élevé de politiciens impliqués dans le mensonge, la fraude et la corruption. Il n'y a donc rien de nouveau dans ce qui a été observé dans les antécédents de l'élection américaine: une part importante des professionnels des instituts de recherche et des journaux sont complices des politiques. L'animal politique dont parlait Aristote peut-il contribuer ainsi à l'évolution de la démocratie? Ou une transformation de la pensée est-elle nécessaire pour que la liberté, la vérité et l'éthique qui sont les fondements de la civilisation occidentale prévalent?

En tout cas, ce bilan critique des instituts de recherche et des médias ne signifie pas penser que la victoire de Büden (qui ne contribuera pas à la bonne évolution du monde) n'aura pas lieu. Si cela se produit, il n'y aura que des regrets.

 

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¿Biden o Büden? Büden es preferible. En esta elección de 2020, el Sr. Büden "embüdó". No es de extrañar, salvo los institutos de investigación y los medios de comunicación, que también se han “embüdido”. En su evolución, el ser humano dio el primer salto cuando sumó a los movimientos de los miembros superiores la posibilidad de comunicarse a través del habla. El siguiente paso transformador fue la incorporación, a la facultad de comunicación, de la transmisión de conocimientos a través de la escritura.

En la coyuntura actual, el ser humano vive la tercera transformación primaria: la desmoralización de los institutos de investigación y de los periódicos que difunden los resultados que los primeros habían defraudado, en la difusión del fraude. La diferencia entre los tres cambios evolutivos: en los dos primeros, hubo una adición de facultad esencial; en el presente, hay una sustitución, es decir, la eliminación de lo obsoleto.

Es fundamental señalar que en todo el mundo hay un alto porcentaje de políticos involucrados en mentiras, fraudes y corrupción. Entonces, no hay nada nuevo en lo observado en los antecedentes de la elección estadounidense: una porción significativa de profesionales de institutos de investigación y periódicos son cómplices de políticos. ¿Puede el animal político del que hablaba Aristóteles contribuir de esta manera a la evolución de la democracia? ¿O es necesaria una transformación del pensamiento para que prevalezcan la libertad, la verdad y la ética que son los cimientos de la civilización occidental?

De todos modos, esta valoración crítica de los institutos de investigación y los medios de comunicación no significa que lo que no importa para la buena evolución del mundo, la victoria del señor Büden, no ocurrirá. Si ocurre, no hay nada más que arrepentimiento.

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domingo, 1 de novembro de 2020

Viés ético de pesquisa sobre vacina


Ontem foi divulgado pela mídia que, conforme pesquisa Ibope/Estadão/TV Globo, “dois em cada três paulistanos discordam de veto de Bolsonaro à compra de vacina chinesa”. Tudo indica que tem jaboti subindo na árvore. O engraçado é que esse animal, às vezes centenário e sábio, só sobe em árvore na imaginação e ação empreendida em parlamentos de povos com organização ainda embrionária ou destituídos de comprometimento com os interesses coletivos.

Os cidadãos são inteligentes e não responderiam de forma absurda. Não houve tempo para o mundo desenvolvido colocar vacina à disposição da população. Não seriam chineses — logo eles — que o fariam (eles riem muito mas fazem coisas tão sérias que até os santos se encolhem). Isso sem mencionar testemunhos de cientistas acima de qualquer suspeita. Portanto, a dúvida recai sobre a correção, eficácia e viés ético da pesquisa. 

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[Comentário divulgado no Estadão online de 31/Out/2020]

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A eleição dos Estados Unidos e a China

A vitória do Sr. Donald Trump significará a redução do poder americano, como alguns preveem? Sua derrota confirmará a fraqueza do Sr. Joe Biden, o que daria no mesmo? 

Nos dois cenários, a China aumentará a ofensiva para a busca dos alimentos que ela tanto precisa? A China aumentará a pressão no âmbito externo para a aquisição de empresas de infraestrutura conforme tem acontecido? Que oportunidades estarão disponíveis para o Brasil? [E sobretudo quais serão os riscos resultantes do pleito americano?]

Em qualquer cenário, os chineses estão tentando aumentar sua participação no Brasil sobretudo nas atividades de produção de alimentos, energia, transportes. É possível neutralizar a sanha de governos estaduais em ceder para os chineses parcelas importantes de seus ativos econômicos?

Com o brilhantismo habitual, [no artigo "A eleição dos EUA e a China" (Globo de 31 de outubro)], o professor doutor Marcus Vinicius aponta implicitamente a necessidade de intenso debate sobre essas questões primaciais.

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[Divulgado no Globo online de 1/Nov/2020]

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[Divulgado no Facebook em 1/Nov/2020]

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quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Mensagem para um amigo – Perspectivas para 2022 e 2026

Em resposta a um dileto amigo, com pouco trânsito no meio militar, escrevi os garranchos que se seguem.

 

 

Caro amigo ...

Em relação às investiduras e aos afastamentos de militares que fazem parte do governo Federal, você me fez duas indagações: 

     o que de fato está acontecendo?

     por que as coisas estão ocorrendo dessa maneira?

Minha resposta é simples: não sei!

Prefiro oferecer uma espécie de testemunho que permite a reflexão atinente a essa complexa conjuntura. Ressalto que minhas assertivas não refletem posicionamento oficial ou normativo do Eco Bravo nem das autoridades com responsabilidade para se manifestar em nome da Instituição. A rigor, elas são a interpretação — para a qual me esforço para não arredar um átimo da verdade — do que vivenciei durante os tempos gloriosos em que participei do serviço ativo da Força Terrestre.

Começo pelo período passado na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). Em 1988, depois de difícil e concorrido concurso, logrei êxito e ingressei no que consideramos um “templo do saber” (modéstia e presunção de lado e entusiasmo total) e fiz parte de um universo com a seguinte caracterização:

     geração formada na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) no início da década de 1970; e

     geração que o general Meira Matos (então comandante da AMAN), com talento e tirocínio, declarou que abrigava os generais da década de 2000.

O curso da ECEME — uma pós-graduação de dois anos (exceção: o período de oficiais engenheiros e médicos é de apenas um ano) — tem o objetivo de preparar os oficiais superiores do Exército para:

     assessoramento de alto nível no âmbito das organizações militares comandadas por general (cerca de meia dúzia de oficiais, em cada um desses Comandos espalhados pelo território nacional);

     exercício, por tenentes-coronéis e coronéis, da função de comandante de organização militar (digamos: cerca de 200 unidades em todo o Brasil — esse número expressa a ordem de grandeza; em outro momento posso enumerá-lo com precisão);

     exercício de uma parcela das funções militares junto a organizações públicas em países com os quais o Brasil mantém relações diplomáticas; e

     ingresso em quadro de acesso ao posto de general.

Cabe mencionar que a promoção a general depende também de outra pós-graduação na ECEME (no posto de coronel, após o exercício do comando de unidade), chamada de CPEAEx (Curso de Política, Estratégia e Alta Administração do Exército — em realidade, não deveria ser “do Exército”, mas “Nacional”, pois abrange robustamente, durante um ano, os cinco campos do poder).

Por imperioso, menciono os rigorosos mecanismos de avaliação da primeira pós-graduação na ECEME:

     provas de cada módulo;

     trabalhos escritos e práticos; e

     centenas de observações padronizadas (resultantes de desempenho e comportamento em cada atividade desenvolvida) elaboradas pelos pares, superiores e até pelos subordinados.

Essas observações incluem — em palestras de convidado externo — o desempenho na participação nos respectivos debates, com a formulação de sintético juízo de valor e perguntas.

Em um evento de política nacional (não se tratava de forma específica de política partidária, mas da Grande Política do Estado brasileiro), os convidados palestrantes eram o economista Paul Singer, fundador do PT;  e um caboclo pertencente ao Instituto Liberal, de São Paulo (cujo nome não me lembro mais). Desse evento, resgato o seguinte:

     formulei uma pergunta para o Sr. Singer indagando-lhe quais seriam, em caso de vitória do PT, os objetivos e os planos primaciais do governo petista para as Forças Armadas;

     diante de algumas centenas de guerreiros atentos, com os olhos esbugalhados de atenção, o palestrante respondeu com elegância, mas com algum constrangimento e sinuosidade; de nenhuma forma, admitiu a vitória do PT e, por via de consequência, deixou um vácuo em sua resposta quanto às possíveis determinações para as Forças Armadas.

Daquele contexto, cabem as seguintes inferências:

     naquela época, com o muro de Berlim ainda firmemente ancorado em terras germânicas e em mentes globais — e com Mikhail Gorbachev ainda vivendo a ilusão de que o castelo de cartas voadoras do socialismo real poderia ser aprumado — o Exército Brasileiro, invicto e invencível, saía na frente, no vislumbre das transformações políticas, estratégicas e ideológicas;

     a ironia nefasta é que nem mesmo os petistas empedernidos estavam convictos de que poderiam alcançar o poder e causar tantos males; e

     a ironia macabra é que poucos vislumbravam quão desastrosa seria e quantos males adviriam de uma administração petista, simpática ao marxismo-leninismo-stalinismo-maoísmo (coloco no mesmo vagão os viajantes de vários vagões, dado que suas diferenças são irrelevantes diante da força motriz que move todos para o desastre anunciado).

Em face das irresponsabilidades que a História nos propiciou, por extensão, ouso cometer alguma, na certeza de que nesse mister de irresponsabilidade, a derrota é acachapante. Se os adePTos e corruPTos (não me refiro à corrupção financeira mas à mental) fossem mais socialistas reais (não me atenho ao “socialismo real”, mas à faculdade de encarar fatos, eventos e circunstâncias com realismo e veracidade), eles constatariam que a alguém como Karl Marx, que não conseguiu gerir sua própria família — 3 filhos mortos na primeira infância, duas filhas mortas por suicídio na adolescência e vida adulta, respectivamente; uma ex-esposa morta também por suicídio; e um filho “bastardo” não reconhecido — faltam condições para conceber os cenários, as conjunturas e as realidades coletivas. 

Aí prevalece o que um quase analfabeto idoso ensinou no palco do botequim: 

“— Quer descortinar as virtudes de um pai, observe as virtudes dos filhos!”

Um interlocutor solidário completou: 

“— Eh, a teoria do espelho não vale para 100% do universo, mas pode-se apostar com grande chance de vitória que vale para uma amostra maior do que 90%”.

Um interlocutor sábio prontamente concordou:

“— A propósito, não podemos comparar Marx a Aristóteles. As concepções deste estão ultrapassando dois milênios, as do outro não resistiram um século.” 

Um interlocutor da oposição sacou: 

“— Bom, mas o câncer permite o avanço da Medicina e a valorização da vida.” 

O interlocutor da objetividade e do realismo fechou a cortina do palco: 

“— É verdade, porém isso não torna o câncer menos hediondo!”.

Por uma questão de isenção moral e intelectual — e em um esforço inequívoco para reduzir a dimensão de minhas limitações e falhas — faço questão de ressaltar que pertenci a uma Instituição, o Exército Brasileiro, que contabiliza dois grandes feitos históricos:

     a contribuição para a derrota de um dos maiores flagelos da história da humanidade — o malfadado nacional socialismo; o que ocorreu com o sacrifício de mais de quatro centenas de cidadãos, nos campos de batalha da Itália, em 1944/45;

     a vitória contra outro flagelo, o maior de todos — o socialismo real, que tinha o objetivo, ainda hoje acalentado, de se implantar no Brasil; o que foi concretizado com o sacrifício de uma centena de cidadãos, favoráveis à liberdade, combatendo algumas centenas de contemporâneos, cujo objetivo era levar o País para a obscuridade do autoritarismo inviável em todos os quadrantes da terra.

Por oportuno, é imperioso relembrar que no ano de 2000, na planície de Passárgada (onde o talentoso Manuel Bandeira “era amigo do rei e tinha a mulher que queria na cama que escolheria”), ao lado do túmulo de Ciro, o Grande — que Alexandre, atendendo ao pedido que o persa deixou escrito, determinou que seus comandados não destruíssem, o que fora concretizado na monumental Persépolis, um pouco mais ao Sul —, conversei muito com um companheiro de viagem, o embaixador Ramiro, da Colômbia. Tratava-se de um intelectual talentoso, versado em História universal e da América do Sul.

Logo após minha chegada ao Irã, em 1999, fui recebido pelo embaixador Ramiro, em jantar elegante e concorrido. De forma recíproca, ofereci-lhe uma recepção em minha nova casa, tendo também como convidados os embaixadores do Brasil e do Uruguai. Nas palavras de despedida, despi-me de qualquer formalismo, para falar das andanças, realizando obras na Amazônia, em especial na região fronteira das gêmeas Tabatinga e Letícia (capital do departamento Amazonas colombiano, às margens do rio Solimões) e Ipiranga (mais ao norte e às margens do rio Içá, que vindo da Colômbia ingressava no território brasileiro). Uma interação agradável e enriquecedora teve lugar a partir desse evento. 

A conversa em Passárgada obviamente foi direcionada para os complexos aspectos da vastidão amazônica. Em dado momento, o embaixador declarou singelamente:

“— Se os militares colombianos tivessem abraçado a coragem dos colegas brasileiros na região de Xambioá e, similarmente, eliminado algumas dezenas de pioneiros das FARC, nós não teríamos hoje quase 100.000 patrícios mortos em vão.”

Repliquei com um lamento nostálgico:

“— Sem sombra de dúvida! Podemos até mesmo lembrar que o poeta John Donne, no século XVII, diante de seus infortúnios familiares, indagou por quem os sinos dobravam. E, com tristeza incontida, respondeu para si próprio: ‘Eles dobram por cada um de todos os seres humanos’ ”.

Para quebrar o silêncio advindo, aduzi sucessivamente:

“— Parodiando o poeta, poderia asseverar que ‘quando alguém se vai, um pouco de cada um de nós segue junto, porém quando centenas de milhares se vão, um pouco de cada um de nós segue junto centenas de milhares de vezes’ ”.

“— E não seria desarrazoado acrescentar também que, no Sul da Amazônia, os militares brasileiros certamente impediram que ampliássemos, com vigor, a terrível estatística, em que uma dezena de milhões de vezes os germânicos, e uma centena de milhões de vezes os soviéticos e chineses nos fizeram seguir acompanhando aqueles que eles levaram, de forma absolutamente incompreensível, insensata e absurda.”

“— Caro embaixador, seu testemunho e o de John Donne, eu os reproduzirei tantas vezes quantas possíveis, ao longo de minha modesta trajetória.”

 

Meu caro e resiliente amigo,

Pra chegar até o final dessas bobagens é preciso muita resiliência, quer dizer, nesses tempos estranhos e complexos de pandemia, pode ser que não precise tanta. Até porque você me propôs duas indagações. Eu desconfio que lhe devolvi indagações que só estarão resolvidas junto com a solução da pandemia. Eu até considero isso uma boa ajuda.

Por último e primacialmente relevante, na caserna sempre me foi dado o direito de, lealmente, discordar e manifestar a discordância. Não raro, quando tive capacidade de convencer, comprovando minhas certezas, tive atendidas minhas ponderações. Sempre que as tive contrariadas, minha convicção é que cabiam duas atitudes: (i) sim, senhor; ou (ii) não senhor, quero ir-me embora. Discordar publicamente não cabe em relação ao comandante, ao pai e ao filho — exceto no atinente aos valores fundamentais; mas neste caso, cabem medidas corajosas e requeridas. 

Que saúde e alegria se juntem ao reconhecido afeto de todos as pessoas de sua maravilhosa família.

Um fraterno abraço,

RS

 

 

PS.

Em relação à eleição de 2018, perguntei a vários amigos confiáveis, em que período da História, em que região geográfica e em que conjuntura — no âmbito da democracia — a facção dita socialista foi apeada do poder pelos adeptos da linha conservadora liberal e democrática, especialmente quando desacreditada pelos indicadores e padrões tradicionais, e cuja perspectiva se configurava como improvável e até mesmo impensável. 

Nenhum dos consultados conseguiu agregar um único exemplo a esse que nós vivenciamos e testemunhamos, há dois anos, nas terras de Caxias, Pedro II, Rio Branco, Rui Barbosa e Castelo Branco (um bom exercício seria acrescentar estadistas a esta amostra ...).

Resulta daí que a caracterização do pleito de 2018 não poderá ser esquecida em 2022 e, nos respectivos preâmbulos.

Na continuidade desse contexto, 2026 será o marco e indicador crucial da política brasileira e das gerações que nos substituirão. Vencerá com relativa facilidade o candidato que tiver sido um dos melhores ministros do período republicano brasileiro. Dessa forma, há grande possibilidade de o lançamento da candidatura certa estar resolvida por volta de 2024/25.

Por via de consequência, espera-se a adesão do fraterno amigo ao cenário com grande probabilidade de se tornar realidade.

Ademais, precisamos viver para testemunhar que o mineiro não estava tão certo quando disse que 

“política é que nem nuvem: muda de cor, forma ou localização enquanto você toma um cafezinho!”.

RS

 

[1a. revisão: 1/Nov/2020]