Reproduzo neste blog o texto de um oficial da Força Aérea Brasileira — uma paródia do memorável texto de Émile Zola, formulado por ocasião da injusta condenação do capitão Alfred Dreyfuss, na França — por considerar que ele se constitui em retrato da atual conjuntura brasileira, um dos piores momentos de nossa história.
Eu acuso
Tenente-Coronel Aviador Kauffmann
Mon devoir est de parler. Je ne veux pas être complice. Mes nuits seraient hantées par le spectre d'un innocent qui expie là-bas, dans la plus affreuse de tortures, un crime qu'il n'a pas commis. — Meu dever é falar. Não quero ser cúmplice. Minhas noites seriam atormentadas pelo espectro de inocente que paga na mais horrível das torturas por um crime que não cometeu.
Nessa véspera de julgamento de colegas de farda e nesse momento em que há tanta gente presa injustamente — jornalistas exilados; congressistas presos; militares presos — sem o rito legal necessário, eu tenho a impressão de que esse texto cabe bem.
Esse foi o primeiro parágrafo do artigo que Émile Zola, famoso escritor, fez no caso Dreyfuss, na França, quando um oficial do Exército francês foi julgado e condenado injustamente.
É o artigo mais lido na história da França até hoje.
Eu acuso o Governo Federal por ter se desviado de sua missão constitucional de servir a Nação e ao povo.
E o acuso por ter transformado a política em palco de interesses privados e instrumento de poder faccioso.
Eu o acuso por vilipendiar a soberania popular e instrumentalizar as instituições contra a sociedade e reduzir o Estado a uma máquina de perseguições e tráfico de influências.
Eu o acuso por tentar impor pela força, mediante censura e repressão, um regime de inspiração comunista, a um País cuja sociedade é conservadora, religiosa e defensora do livre mercado.
Eu o acuso por alinhar o Brasil no cenário internacional a ditaduras e organizações terroristas, traindo a tradição de nossa política externa de defesa da liberdade.
Eu o acuso por se antagonizar, em primeira hora, com a maior democracia do Ocidente, os Estados Unidos da América, ao lado do qual nossos soldados derramaram sangue na Segunda Guerra Mundial.
Eu o acuso ainda por retirar o Brasil do grupo de nações que repudiam o holocausto judeu, manchando a memória dos mártires da barbárie e negando o valor universal da dignidade humana.
Eu o acuso, enfim, por ter lançado o Brasil à divisão, à miséria moral e ao desprezo de si mesmo.
Eu acuso o Congresso Nacional por sua covardia diante dos abusos, por sua omissão diante da tirania e por sua cumplicidade silenciosa com a corrosão do pacto constitucional.
Eu o acuso por ter se transformado em mercado de interesses, em balcão de trocas e vitrine de vaidades.
Eu acuso seus parlamentares por renunciarem a virtude republicana, por se curvarem ao cálculo de ocasião quando deveriam ser guardiões da soberania e serem a voz legítima do povo.
Eu acuso o Supremo Tribunal Federal por ter traído sua vocação de guardião da lei.
Eu o acuso por ter substituído a Constituição por interpretações de conveniência usando a toga como escudo para arbitrariedades.
Eu o acuso por desprezar a letra da lei em favor da vontade pessoal; por transformar a justiça em espetáculo e a jurisprudência em instrumento de poder.
Eu o acuso por ter destruído a confiança do povo na imparcialidade da justiça, reduzindo o direito ao capricho de onze indivíduos.
Eu o acuso pela ruptura da imparcialidade que constitui a essência de todo juiz por condenar cidadãos honestos enquanto absolve e liberta corruptos confessos e por julgar processos de escritórios de seus próprios familiares, despindo-se vergonhosamente da ética e do princípio da suspeição.
Eu o acuso finalmente por vilipendiar a confiança sincera de uma população que enfrenta privações e dificuldades ao se lançar sem pudor, a obscenos, promíscuos e caríssimos convescotes internacionais, patrocinados por empresas que possuem interesses diretos em casos submetidos ao crivo daquela Corte.
Eu acuso os Comandantes Militares por terem confundido disciplina com servilismo, obediência com submissão e honra com silêncio.
Eu os acuso e o Ministério da Defesa por aceitarem o deliberado sucateamento das Forças Armadas e a degradação da capacidade da defesa nacional.
Eu acuso o Comandante do Exército pela perfídia de 9 de janeiro, quando velhos, mulheres e crianças foram enganados sobre a promessa de liberdade e entregues a prisões indignas.
Eu o acuso porque mesmo reconhecendo o erro preferiu proteger o espírito de corpo em vez da dignidade do povo, manchando indelevelmente a honra do Exército de Caxias e de Osório.
Eu o acuso por permitir que seus subordinados fossem acusados de crimes inexistentes, que tivessem seus direitos aviltados por um falso juiz e por permitir que um honrado oficial e sua família fossem torturados psicologicamente até a delação infame.
Eu o acuso por permitir que a farda fosse renegada num processo formal de justiça.
Eu acuso o Comandante da Marinha pela falta de lucidez e pela subserviência vergonhosa ao afirmar que um bêbado delirante, capaz de colocar a Nação contra a maior potência militar do planeta, possui admirável visão estratégica.
Eu o acuso por ter envergonhado a tradição gloriosa da Marinha de Tamandaré e Alexandrino de Alencar, reduzindo-a a adereço de bajulação.
Eu acuso o Comandante da Força Aérea Brasileira por ter obrigado um comandante de unidade a entregar um capacete de piloto de caça, instrumento sagrado de combate a um corrupto condenado.
Eu o acuso por permitir que o comandante de uma de nossas bases aéreas prestasse continência e honras militares a um genocida e narcotraficante internacional.
Eu o acuso por não traçar a linha da dignidade, permitindo que a Força Aérea de Eduardo Gomes e Eduardo Moura fosse reduzida a táxi aéreo e a motivo de chacota nacional.
Eu acuso as elites brasileiras por sua indiferença, por seu apego a privilégios e por sua covardia moral.
Eu as acuso por abandonar a Nação, quando deveriam iluminá-la; e por escolherem alianças de conveniência em vez de compromissos de grandeza.
Eu as acuso por se contentarem com lucros imediatos enquanto o País se dissolve em corrupção e mediocridade.
Eu as acuso por seu cosmopolitismo vazio que fala em democracia enquanto fecha os olhos para a ruína moral, cultural e econômica da Pátria.
Eu acuso a sociedade brasileira por seu silêncio, sua passividade e sua complacência.
Eu a acuso por se indignarem em breves instantes nas ruas, mas se recolher depois ao conforto da apatia.
Eu a acuso por aceitar a mentira como normalidade, a corrupção como regra e a injustiça como hábito.
Eu a acuso por permitir que o medo se transforme em conformismo e que a liberdade seja trocada por migalhas.
Eu a acuso porque sei que sem verdade não há autoridades, sem justiça não há liberdade, sem honra não há Forças Armadas e sem povo não há Nação.
Eu acuso porque quando o Estado se corrompe, resta o pensamento livre, dizer com voz alta aquilo que todos já pressentem, que a Pátria está sendo traída.
Eu acuso, não para destruir, mas para despertar, porque acusação é também o chamado à consciência.
E só quando a forma e a substância se reconciliarem, quando o Estado voltar a servir a sociedade, e quando a sociedade voltar a exigir dignidade de suas Instituições é que o Brasil reencontrará sua força moral.
La vérité est en marche et rien ne l'arrêtera!
A verdade está em marcha e ninguém a deterá!
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