domingo, 1 de julho de 2018

Resposta ao Sr. Fernando Henrique Cardoso



ESTADÃO — 1º/JUL/2018


Sejamos radicais [extrato]
Fernando Henrique Cardoso

O Brasil exige: sejamos radicais. Mas dentro da lei: que a Justiça puna os corruptos, sem que o linchamento midiático destrua reputações antes das provas serem avaliadas. Não sejamos indiferentes ao grito de “ordem!”. Ele não vem só da “direita” política, nem é coisa da classe média assustada: vem do povo e de todo mundo. 
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Se dois de nossos candidatos lá chegarem, tanto melhor: será o povo que dirá qual deles há de conduzir-nos nos próximos anos. Não devemos arriscar, porém. Se for o caso, devemo-nos unir ainda no primeiro turno para evitar que o povo tenha de escolher entre o ruim e o menos pior.



RESPOSTA DESTE (E)LEITOR


No artigo “Sejamos radicais” (Estadão, A2, 1º de julho), o Sr. Fernando Henrique Cardoso faz  adesão à bandeira dos eleitores do Sr. Jair Messias Bolsonaro. Examinemos as razões.
Ele inicia o texto propugnando que a Justiça puna os corruptos; preconizando que não sejamos indiferentes ao grito de “ordem”; e enfatizando que todos querem a punição dos corruptos e ordem para todos. Ora, os eleitores do Sr. Bolsonaro optaram por votar nele pelas razões que o Sr. FHC tardiamente passa a defender.
O professor prossegue em seu discurso, afirmando que o País foi longe demais ao não coibir a criminalidade e a corrupção; surpreendentemente, asseverando que só soldados armados enfrentam os bandidos; e aduz que o Brasil tem pressa pois chega de governos [peessedebistas e petistas — acréscimo deste signatário] incompetentes. Uma vez mais o Sr. FHC evidencia o óbvio, isto é, razões inequívocas pelas quais os cidadãos aderiram à candidatura do Sr. Bolsonaro.
Embicando para a retaguarda de seu ideário, o professor doutor assevera que nada disso se conseguirá sem que a educação seja o centro das atenções governamentais –– aqui saio da ordem natural de minhas asserções indagativas, para questionar porque o Sr. FHC não usou seus 8 anos no governo para praticar o que agora assevera —; defende reformas e ressalta que sem uma “reforma moral” nas práticas políticas, eleitorais e partidárias, nosso destino estará comprometido; e também que com 26 partidos e com quase 30 ministérios desconhecidos, o País é ingovernável e incapaz de se haver com os desafios do futuro. Bom, até esse ponto do texto, imaginei que o Sr. FHC estivesse adotando, com seriedade, as ideias pelas quais os eleitores tem aderido incondicionalmente ao Sr. Bolsonaro. Devo manifestar minha dúvida se suas opiniões refletem seriedade ou ambiguidade irresponsável.
Mas ele não parou por aí. Em realidade, percorreu uma jornada bem mais extensa. Chamo de jornada porque a dúvida me faz evitar alguma brincadeira, por exemplo, atribuindo ao texto, a condição de exercício intelectual. Então, ele continua afirmando que “o sistema político que montamos em 1988 se exauriu” — por apreço à verdade, obrigo-me a admitir que o uso da primeira pessoa do plural revela timidamente um lampejo de integridade, já que a obra cidadã, mesmo que já tão emendada, teve sua participação. Que fique cristalino: enquanto cidadão, contribuinte e eleitor democrata e de um país civilizado, lamento que não tenhamos elite capacitada para elaborar uma Carta Magna assentada nos valores da verdade, liberdade e ética, e que prescinda de tantos remendos.
Ao continuar a leitura, constato alguma hesitação no que o Sr. FHC propõe. De um lado, ele aponta os vícios da Constituição, de outro enfatiza suas virtudes. De forma similar, assevera que entende a motivação dos sem-teto e dos sem-terra, e de outro, condena-os, dizendo que seus propósitos de reconstrução se transformam em instrumentos de deterioração. Tudo meio confuso, meio ambíguo, meio “em cima do muro”, inquestionavelmente, meio PSDB. Enfim, a jornada do Sr. FHC prossegue, mesmo que a adesão mostre alguma dubiedade. É preciso ficar claro para todos: quem quiser aderir aos eleitores do Sr. Bolsonaro deve fazê-lo com argúcia, simplicidade e decisão. Não pode ser com “ti-ti-ti” nem “tê-rê-tê-tê”.
Não contei, mas creio que já foram ultrapassadas umas doze razões pelas quais os cidadãos não suportam mais os governantes dos últimos vinte anos. O Sr. FHC faz uma tomografia inquestionável desse período, diagnosticando o que os eleitores do Sr. Bolsonaro querem para higienizar o que os peessedebistas e petistas conspurcaram e nos deixaram. Eles querem: decência na vida pública, crescimento da economia, salários mais condizentes, ..., moradia, transporte, saúde, educação e segurança. Não nego que estou utilizando uma sentença elaborada pelo Sr. FHC por tratar-se de intenção, pretensão e meta colimada pelos eleitores do Sr. Bolsonaro.
E aí o Sr. FHC preconiza o que é fundamental para os eleitores do Sr. Bolsonaro: autoridade moral dos que vierem a nos comandar; troca alhos com bugalhos, mas cita um tal Polo Popular como a respeito à dinâmica dos mercados, e similarmente define um tal Polo Progressista como uma consciência das transformações produtivas e políticas do mundo; e aduz que o Brasil deve participar do mundo contemporâneo, para dele tirar capacidade de renovar-se tecnológica e politicamente. Cumpre asseverar que o Sr. FHC pode associar-se aos eleitores do Sr. Bolsonaro, mas para isso tem que esquecer os rótulos da forma como os colocou — rótulos que são a idiossincrasia peessedebista e petista. É inquestionável a necessidade de mudanças e transformações. Pois venha para nosso universo de eleitores, Sr. FHC, mas esqueça a obra que o senhor ajudou a nos deixar. 
De fato, está correta a asserção do Sr. FHC de que os temas centrais da campanha que se aproxima são o desprezo aos partidos e à classe política, advindos da constatação de que as bases do poder apodreceram pela corrupção. Essa asserção está correta, mas precisa ser indicada a origem do apodrecimento — e isso o Sr. FHC optou por ignorar. A origem está nos governos do PMDB, PSDB e PT. 
É preciso declarar com ênfase que os eleitores do Sr. Bolsonaro não hesitam em interpretar a herança recebida — sintetizada na maior crise política e econômica da história da humanidade, potencializada por um enorme, atávico, sistêmico e endêmico abismo moral daqueles que a criaram; não se engabelam por ambiguidades de quem agora resolve abraçar a bandeira dos eleitores do candidato que se encontra à frente, em todas as pesquisas íntegras; não se impressionam com o desespero de seus oponentes, sejam eles políticos, intelectuais, jornalistas ou artistas. Por decência, ressalto que são parcelas dos universos das qualificações citadas.
Enfim, o Sr. FHC chega a sua peroração, pregando união para evitar que o povo tenha de escolher entre o ruim e o menos pior. Ora, ora! Para ficar ruim ou menos pior, os governantes brasileiros das duas últimas décadas teriam que ter sido muito melhores. É por isso que os cidadãos, contribuintes e eleitores que sonham com um país razoável para as crianças prestes a nascer —  e para as que nascerão nos próximos 30 anos — advogam, pleiteiam e exigem mudança e transformação em outubro próximo. Não sei se conscientemente ou não, o artigo do Sr. FHC pode ser visto como emblemático, dado que, conquanto contenha ambiguidades lamentáveis, descortina com clareza inexcedível, a obra monumental a ser empreendida para superar a herança indigente que ele próprio e seus substitutos nos obrigaram a engolir. Que os eleitores do Sr. Bolsonaro tenham atenção e cuidado! Os oponentes estão querendo abraçar a bandeira da virtude, como forma de camuflar o vício que a história não lhes negará.

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