quinta-feira, 29 de abril de 2021

Conversa com a jornalista Anne Vigna

Principais aspectos do contato telefônico com a jornalista Anne Vigna, do periódico Le Monde Diplomatique (reprodução de memória).

 

Inicialmente, cumpre destacar que asseverei à jornalista que poderia ter meu nome citado na matéria, porém não aceitava que nossa conversa telefônica fosse considerada uma entrevista formal. 

Ressaltei que falava em meu próprio nome, como militar da reserva, mas sobretudo no exercício de minhas prerrogativas de cidadão, e limitado pelas restrições legais e constitucionais a que estava submetido.

 

Anne – Como é visto o conflito entre as três vertentes do governo federal — os militares, a área econômica e a facção de direita que apoia o presidente?

ARS – Não creio que haja conflito entre os militares e a área econômica. A interação mais complexa é entre a área econômica e o Parlamento, decorrente do jogo político democrático. 

No âmbito do próprio governo, há visões distintas entre alguns ministros como o da Infraestrutura e do Desenvolvimento Regional e a área econômica — porém, não creio que isso caracterize surpresa ou conflito; de forma acertada, esses ministros querem realizações, empreendimentos e as respectivas consequências econômicas; e a área econômica, por seu turno, também de forma correta, deve buscar o equilíbrio econômico que é crucial para o País. Essa questão é mediada e equacionada pelo presidente, de acordo com as possibilidades orçamentárias e com sua determinação para cumprir o que prometera no processo eleitoral. 

Aliás, é provável que uma de suas fontes de informação seja a mídia brasileira. Nesse sentido, convém observar que, desde os primeiros dias de governo, os 3 principais grupos jornalísticos brasileiros (organizações Globo e jornais Estadão e Folha de São Paulo) se colocaram na oposição, não raro, de forma inaceitável e pérfida. Basta citar a questão de vítimas da pandemia, em que o Brasil está em situação similar aos Estados Unidos, bem como ao conjunto de Alemanha, França e Reino Unido (cerca de 230 milhões de habitantes) e ao conjunto de México, Colômbia e Argentina (cerca de 220 milhões de habitantes). Tenho a certeza de que os formadores de opinião desses países não caracterizam os respectivos chefes de Governo como genocida, o que ocorre na imprensa brasileira em geral e, em particular, nos três maiores grupos de mídia de nosso País. Similarmente, não potencializam crises e conflitos com o objetivo de paralisar a gestão do chefe de Governo ou afastá-lo.

 

Anne – Os militares são contra a privatização de empresas estratégicas como a Petrobrás, Eletrobrás e outras?

ARS – Todo militar tem uma visão estratégia aguçada e rigorosa. Todo militar tem preocupação com os setores estratégicos, como energia, petróleo e os demais. Porém, mesmo entre aqueles que pessoalmente são contra a privatização, eventual oposição a esse processo está submetida às limitações impostas pela faculdade de assessoramento; vale dizer, opina até que a questão esteja decidida. O presidente foi eleito com a promessa de que realizaria privatizações. O maior obstáculo às privatizações no Brasil está no Parlamento, no campo político. 

Na França e nos Estados Unidos, há empresas estratégicas no setor privado, com eficiência, cumprimento das demandas do Estado e da Nação, e satisfação do posicionamento estratégico dos respectivos países.

 

Anne – Como deve ser encarada a presença de militares no governo, sendo militares cerca de 1/3 dos ministros; e a presença de milhares de funcionários militares?

ARS – A senhora deve estar se referindo também aos ministros Marcos Pontes, Tarcísio Freitas e Jorge Oliveira. 

Bom, Charles De Gaulle, Churchill, Eisenhower, Kennedy, Reagan e Bush (pai) foram militares. Não vejo problema. Mesmo nos governos do Partido dos Trabalhadores (PT), no Brasil, houve vários militares no governo. No governo Bolsonaro, há três ou quatro ministros que são militares e não 1/3 como a senhora mencionou. Tarcísio foi militar na juventude, mas a maior parte de sua brilhante vida pública foi no setor público civil, no Parlamento. O então ministro Jorge Oliveira (agora nomeado para o TCU) foi militar, porém militou na vida civil por longo tempo na condição de advogado muito respeitado. Marcos Pontes está no governo por ter sido astronauta, condição única no Brasil. 

O governo nomeou um ministério técnico e não político como habitualmente ocorria no País. Com a nomeação do ministério, o governo Bolsonaro buscou eficácia e combate à corrupção; e os militares respondem satisfatoriamente ao enfrentamento desses desafios. 

No caso do ministro Marcos Pontes, devem ser lembradas as referências mundiais. Um tcheco e um italiano, ambos astronautas, foram do Parlamento da União Europeia. Quatro militares soviéticas astronautas foram eleitos para a Duma, o poder legislativo da URSS. Militares americanos astronautas foram do parlamento americano — o mais conhecido dentre eles, John Glenn, foi senador por quase duas décadas. O astronauta canadense Marc Garneau elegeu-se para o parlamento canadense. Ademais, a médica Claudie Haigneré, que viajou como cientista em missão espacial, tornou-se depois ministra da C&T da França. O cientista espanhol Pedro Duque, que fez duas viagens espaciais, subsequentemente, foi ministro da C&T da Espanha.

 

Anne – A demissão dos comandantes militares mostra que havia conflito entre o presidente e integrantes dos altos escalões militares?

ARS – A demissão do ministro da Defesa foi uma decisão normal e decorrente de atribuição constitucional do Presidente da República. A demissão dos comandantes militares tem mais a ver com a nomeação de um novo ministro da Defesa. Há indícios de que, se não fossem demitidos, colocariam os respectivos cargos à disposição do presidente, o que é razoável nesse contexto. A suposta crise entre o presidente e os militares existiu — ou foi potencializada — na mídia e na cabeça de formadores de opinião que são contrários ao governo.

 

Anne – E o presidente Bolsonaro, o senhor o considera militar?

ARS – Ele se formou no Exército e esteve no serviço ativo durante cerca de uma década. Entretanto, ele foi parlamentar durante 25 anos. Portanto, seu conhecimento e experiência profissionais estão fortemente inseridos em sua vivência no setor público civil.

 

Anne – O senhor acha que os militares continuam apoiando o presidente Bolsonaro? E se ele não for reeleito, os militares apoiarão o novo presidente que for eleito?

ARS – Desde 1988, quando a Constituição em vigor foi promulgada, as instituições militares têm pautado suas atitudes, procedimentos e ações rigorosamente de acordo com os mandamentos constitucionais, não importando quem tenha sido eleito nem o partido ao qual o escolhido pertencia. Então, há inequívoca evidência de que as instituições militares prosseguirão em consonância com esse inexcedível exemplo histórico. Isso não impede que, individualmente, cada militar tenha a sua preferência.

Pessoalmente, não admito outra alternativa de parte das instituições militares, especialmente, porque — caso o presidente Bolsonaro decida concorrer a nova eleição presidencial — eu acredito em sua reeleição.

 

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