terça-feira, 5 de maio de 2020

Entrevista concedida a uma jornalista


Como o senhor avaliava o trabalho do Sergio Moro?
Primeiramente, devo dizer que sou militar da reserva e falo apenas em meu próprio nome. A publicação de minhas palavras e de minhas opiniões está autorizada, porém com a restrição de que tudo que afirmar agora diz respeito a minha condição de cidadão, eleitor e contribuinte brasileiro, com liberdade para pensar, falar e agir, no limite que as leis vigentes me impõem.
No atinente à sua pergunta, devo asseverar que, na época da indicação do Sr. Moro, eu considerei um gol de placa do presidente. Mas, à medida que o tempo passou, eu entendo que foi um enorme decepção porque ele não se mostrou à altura da responsabilidade para a qual foi investido.

O senhor diz isso por causa da saída?
Considerando a cultura de onde venho — formação paterna e formação militar — ao sair, o Sr. Moro teve um procedimento condenável. Em entrevistas anteriores, ele afirmou que o presidente não agiu para intervir na Polícia Federal. Na entrevista de sua demissão, ele informou para os brasileiros o contrário do que já tinha dito. Ademais, ele não comunicou pessoal e formalmente ao presidente que estava se demitindo. Então, contrariamente ao que eu imaginava, faltou-lhe desprendimento ético e sobrou-lhe desqualificação pessoal.

Como o senhor viu a saída de Moro do governo?
Por sua ação como juiz, o Sr. Moro se transformou na esperança do país, na esperança do combate à corrupção e contra a criminalidade; e ao final não foi isso que a gente observou.
Na saída, pelo discurso apresentado na TV, ele revelou uma faceta inesperada, para alguém que recebeu as responsabilidades a ele atribuídas. Ele tinha que procurar o presidente e, olho no olho, comunicar que estava saindo e revelar as razões. Na minha cultura, na normalidade ou nas situações graves — com a prevalência das normas, da lei e da disciplina — o profissional chega para o superior e fala o que precisa, o que concorda ou discorda, o que pensa, o que vai fazer; ou se cala. Não agir dessa maneira, constitui grave quebra de valores e procedimentos.
Então, de ídolo e candidato a estadista, o Sr. Moro ingressou na condição de cidadão descumpridor de compromissos primaciais e, portanto, não confiável.

O ministro disse que comunicou ao presidente que sairia se ocorresse a mudança na PF. Isso então não aconteceu?
O que você acabou de dizer não altera o essencial. A saída do Ministério da Justiça foi comunicada formalmente pela televisão; não foi feita ao presidente que o nomeou. Há críticas ao Sr. Henrique Mandetta por sua atuação anterior em Mato Grosso do Sul; há citações de problemas com ele na atuação em hospital e na Secretaria Municipal de Saúde. E que fique claro: nesses tempos de boatos nem sempre verdadeiros, entendo que ter precaução com o que se lê e ouve é imperioso. Dúvidas não há em relação a diferenças entre o Sr. Mandetta e o Presidente da República, porém sua atitude por ocasião da demissão revelou dignidade no ato de sair do Ministério da Saúde. O Sr. Moro não teve atitude similar, especialmente, por parte de quem se apresentou como uma esperança de nosso complexo País.

Como deveria ter sido a comunicação?
Ele tinha que ter dito ao presidente que estava pedindo demissão e, posteriormente, comunicar para o País, com a qualificação e a excelência compatíveis com a estatura de quem foi elevado à condição de Ministro condutor da pasta da Justiça do País que mais de 200 milhões de brasileiros querem grandioso. Nesse contexto, bastava ter dito ‘discordo das atitudes do presidente, como não há uma convergência de pensamento opinião e de ação, saio do governo’. A forma como ele se conduziu no processo de demissão é simplesmente inaceitável.

Essa visão é compartilhada por outros militares?
Não posso falar pelos demais militares, que como eu, estão na reserva. Porém, creio na existência de uma parcela companheiros que concorda com o que estou asseverando. Conheço militares extremamente críticos em relação aos rumos do País — e aí me refiro àqueles que expressam grande comprometimento com o futuro das crianças que nos substituirão —, mas mesmo entre esses, a atitude do Sr. Moro é predominantemente inaceitável.

O problema foi sair acusando o presidente?
A maneira como o Sr. Moro saiu denota extremo cuidado com sua própria biografia, mas entendo que ele deu um passo em falso. Há um detalhe, uma questão fundamental! Ele se preocupou com a biografia dele e se esqueceu da biografia de 209 milhões de habitantes.

E o conteúdo do que o ex-ministro Moro disse?
Tornou-se uma coisa menor por uma razão simples: pegar a foto do celular da troca de mensagens dele com a afilhada de casamento e dizer que é prova. Por favor, não prova coisa alguma. A deputada estava dizendo que lutaria para defender sua possível indicação para o STF. Alegar isso como prova em um programa dominical? O que mais aflige e preocupa os brasileiros? O conteúdo da  pandemia do coronavírus ou o conteúdo da crise gerada pelo Sr. Moro?

E o outro print que Moro diz mostrar o pedido de troca na PF por causa da investigação do STF?
Troca do diretor da PF é uma atribuição do presidente da República. É atribuição específica. Sobre relatórios da PF, o presidente tem o direito de chegar para o ministro da Justiça e perguntar: ‘quero informação das questões em andamento’. O presidente não pode pedir informação ilegal — por exemplo, o que for segredo de justiça —, mas o presidente tem o direito inalienável de ser informado pelo ministro da Justiça daquilo que está em andamento no âmbito de seu Ministério.

Mas entre as diversas atribuições do presidente, não é estranho querer mudar justamente a PF do Rio?
Ninguém, nem mesmo o presidente da República pode cometer ilegalidade. O presidente foi eleito com a maioria da vontade do povo brasileiro, mas ele está sujeito à Constituição e demais leis. Cada Ministro cumpre ou declara que deixa de cumprir porque é ilegal. E nesse último caso, declara de forma clara e cristalina que não concorda e vai embora. 

Não é que não pode. Não gera um questionamento?
Sim, há uma sequência de questionamentos. O Poder Executivo não pode nomear um cidadão qualificado e de conduta ilibada para Diretor-Geral da Polícia Federal? Não pode nomear um funcionário para a Funai em determinado estado? Não pode caracterizar os estrangeiros que satisfaçam aos nossos interesses e, em caso contrário, determinar-lhes que retornem a seu País de origem? Estão aí caracterizados a interferência do Judiciário em procedimentos para o quais o Presidente foi eleito pela maioria dos eleitores e, até onde se sabe, não há choque com a Constituição e com as leis vigentes. De forma similar, há a percepção de ações do Parlamento que contribuem para a inviabilização e a neutralização do Poder Executivo. Creio que estamos em boa hora para refletir sobre o legado constitucional do Art. 2 da Constituição: 
“São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

A decisão do STF questionando a impessoalidade na nomeação da PF foi mal vista?
Qual é a impessoalidade? O policial federal que foi indicado tem reconhecida qualificação profissional e ocupa um alto cargo da República. Não creio que o paradigma da impessoalidade foi contrariado. Há juristas que afirmaram isso? Ou está olhando pelo lado ideológico ou pelo lado político. Certamente não está falando pela essência da gestão pública. Se assim fosse, uma expressiva parcelas dos Ministros do STF não poderia ser indicada para aquela Egrégia Corte, já que vários demonstraram ser amigos dos respectivos presidentes da República.

A acusação do ministro Moro tem relação com impessoalidade e foi nesse sentido que o ministro Alexandre se manifestou. O senhor discorda?
A decisão foi lamentável. Foi divulgado que a decisão incomodou outros Ministros do STF, a tal ponto que um Ministro propôs ao Presidente do STF a alteração do estatuto vigente de tal sorte que apenas o colegiado possa decidir sobre questões correlatas. O que o Ministro adotou em relação à indicação do Diretor-Geral da PF contraria sua própria trajetória. Afinal, ele era ministro e amigo do então Presidente da República que o indicou. Estamos diante de absurdos que, se continuarem, podem levar o País para um rumo que ninguém quer. 

Qual rumo?
O rumo do trauma, do caos e da descrença nas instituições e, o que é extremamente grave, na própria democracia. Olhe o caos sob o ponto de vista físico, o caos é um monte de átomos, cada um girando em uma direção, batendo em outros. Isso é o caos. Não há dúvida quanto a isso. Não somos uma republiqueta. Precisamos de intelectuais e estadistas nos diversos campos do poder para decidir as grandes questões nacionais.

Quando o senhor fala em trauma, poderia ter uma alguma intervenção militar?
Num País com a estatura do Brasil? Tenho orgulho da Instituição militar a que servi durante mais de quarenta anos. Tenho orgulho de saber que nossos militares têm dado demonstrações inequívocas de qualificação profissional, desprendimento pessoal e apego à meta fundamental do povo brasileiro, que é a busca da paz e da harmonia, sob a égide da liberdade, da verdade, da coragem e da ética. Não é preciso intervenção militar, no sentido conhecido especialmente na América Latina. A Constituição contém os instrumentos para as situações extremas, dado que 
“As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes da, da lei e da ordem”.
Portanto, para fazer face a qualquer situação traumática, caótica ou de anomia, o artigo 142 da Constituição possibilita a solução institucional devida. É como penso como cidadão da República Federativa do Brasil.

O senhor então vê possibilidade de uma intervenção com o uso do artigo 142 da Constituição em uma situação de caos?
Se prevalecer o caos e a anomia, a disposição contida no artigo 142 da Carta Magna é a solução constitucional. Entretanto, para essa situação ocorrer, é preciso muita falta de juízo dos poderes envolvidos nas grandes questões nacionais; inclusive da mídia. É pouco provável mas não impossível. É preciso a compreensão de que a alternativa para a solução constitucional é a solução de república bananeira. Eu me recuso a pensar e conceber uma ideia de que ainda não chegamos a um patamar de País sério. Acho que minhas respostas a seus questionamentos refletem essa visão. Por isso, minha opinião sobre o Sr. Moro é severa. Ele não deu a mínima para isso.

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Nota. 
Até 9/Mai/2020, a entrevista não foi publicada.
Como contraria muitos interesses, é pouco provável que seja publicada na íntegra ou pelo menos parcialmente.

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