quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Falha do serviço de Inteligência de Israel

Embora não tenha autorização, traduzo e transcrevo o artigo “As militares mulheres que alertaram sobre um ataque pendente do Hamas – e foram ignoradas”, de 20/11/2023, de Yaniv Kubovich, publicado no jornal israelense Haaretz. 

E por que ajo em discordância de prescrições legais consagradas?

Pela simples razão, de que se trata do dramático testemunho de uma das maiores falhas de serviço de Inteligência ao longo da História, com a agravante de que o serviço que falhou foi o serviço de Inteligência de Israel que é considerado um dos mais qualificados do mundo.

Para cumprir as leis e sobretudo submeter-me aos ditames da ética, não disponho de estrutura e de interações requeridas. Então, o descumprimento de estatutos universais é feito em nome de objetivos maiores: o conhecimento das falhas que ocasionaram a maior tragédia do povo e da Nação judaica desde o Holocausto, que foi perpetrado pelo nazismo nas décadas de 1930 e 1940 na Alemanha.

Se tiver que responder pela transgressão ou pelo crime de publicar em meu blog artigo de terceiro, sem a devida autorização, estarei despido de constrangimento e vivenciando a tranquilidade daqueles que porfiam para que o mundo seja um átimo melhor para todos os entes humanos.

O artigo versa sobre as informações que as observadoras das Forças de Defesa de Israel, localizadas nos postos de observação na fronteira israelense com a Faixa de Gaza, passaram para os escalões superiores e não receberam a devida atenção.

Essas informações evidenciavam, de forma inequívoca, o planejamento e o treinamento para a invasão de Israel pelas forças dos terroristas do Hamas — o que ocorreu no dia 7 de outubro de 2023, com o assassinato de cerca de 1400 israelenses, aí incluídos 340 militares, bem como mulheres, idosos e crianças (sendo que destas, dezenas foram decapitadas).

Antes de passar ao artigo convém refletir e questionar se as informações foram ignoradas pelo serviço de Inteligência e (ou) pelas Forças de Defesa de Israel, de forma proposital, para que se chegasse imediatamente à guerra e à possível aniquilação dos terroristas do Hamas — algo à primeira vista absurdo, mas diante de um absurdo inominável, não caberia senão absurdo compatível.

 

 

As militares mulheres que alertaram sobre um ataque pendente do Hamas – e foram ignoradas

 

Durante o ano passado, os observadores das Forças de Defesa de Israel situados na fronteira de Gaza, todos militares do sexo feminino, alertaram que algo incomum estava acontecendo. Aquelas que sobreviveram ao massacre de 7 de outubro estão convencidas de que se tivessem sido os homens a soar o alarme, as coisas hoje seriam diferentes.

 

Yaniv Kubovich – Jornal Haaretz

20.Nov.2023, 7:47 pm

 

TRADUÇÃO: ARS

 

Três dias depois do massacre de 7 de outubro no sul de Israel, Mai – uma observadora que serve na Divisão de Gaza das Forças de Defesa de Israel e sobreviveu ao ataque assassino do Hamas à sua base militar perto da fronteira – recebeu um telefonema em casa.

Na linha estava alguém da divisão de recursos humanos do Exército. “Se você não retornar ao seu posto”, ela foi advertida, “isso seria absenteísmo durante a guerra e significaria até 10 anos de prisão”. Mensagens idênticas também foram entregues a colegas da base militar que, tal como ela no Sábado Negro, tinham sido trancadas numa sala de operações “armadas” apenas com os seus celulares enquanto os terroristas do Hamas enlouqueciam.

“Tentamos explicar que não podemos voltar atrás”, conta Mai. “Perdemos nossas camaradas. Passamos horas escondidos, entre cadáveres, naquela sala de operações.”


Segundo Mai (um pseudônimo, tal como os nomes de todas as pessoas entrevistadas para esta história), algumas das jovens que sobreviveram ao ataque estão atualmente sendo tratadas em instituições de saúde mental, enquanto outras ainda têm demasiado medo de procurar tratamento.

“Até agora os comandantes não nos visitaram; ninguém do Exército veio falar conosco e perguntar como estamos nos sentindo. Eles estão simplesmente ignorando nossa existência.” Talvez deva ser acrescentado um esclarecimento a esta última afirmação: aparentemente estão a ignorar a sua existência como seres humanos e não como parte das Forças Armadas.

 

(O trabalho de observadores, conhecido como “tatzpitanit” em hebraico, envolve olhar para uma tela por horas a fio, estudando câmeras de vigilância em busca de atividades indesejáveis. Hoje em dia, apenas militares mulheres realizam a tarefa.)

 


As observadoras decidiram ficar em casa e nada mais aconteceu até a semana passada – quando todas receberam cartas idênticas informando que se não retornassem aos seus postos até esta quarta-feira, haveria graves repercussões.

 

• Em 7 de outubro, o sexismo nas forças armadas de Israel tornou-se letal

• O papel exclusivamente feminino do exército israelense leva muitas pessoas ao suicídio

• Guerra Israel-Hamas de perto: uma viagem a Gaza com as FDI

 

“Eles me disseram: ‘Você precisa voltar, sua posição está pronta’ ”, diz outra observadora, Shir. “Ninguém se importa como estou ou se estou apta para fazer isso – o principal [para eles] é que eu retorne ao meu turno de nove horas assistindo telas o dia todo.”

Shir decidiu que apresentará um relatório no quartel – mas não por causa das ameaças e intimidação.

“É importante deixar claro que estamos retornando apenas pelo bem dos nossos amigos que foram assassinados ou sequestrados”, diz ela, “e não por todos que nos abandonaram lá”.

De alguma forma, Shir e suas colegas não estão surpresas com a atitude que encontraram; apenas talvez um pouco nervosa com sua intensidade. Durante os anos de serviço militar, dizem que se habituaram ao fato de “não serem levadas em conta”. Nem foi dada qualquer atenção às repetidas advertências que levantaram antes da infiltração do Hamas no Sábado Negro. Avisos que, ao que parece, entravam por um fone de ouvido da IDF e saíam pelo outro.

Estes incluíram relatórios sobre os preparativos do Hamas perto da cerca da fronteira, a sua atividade de drones nos últimos meses, os seus esforços para desligar as câmaras, o uso intensivo de vans e motocicletas, e até mesmo ensaios para o bombardeamento de tanques.

 


As observadoras acreditam que o Hamas estava, na verdade, sendo bastante negligente: não tentou esconder nada e as suas ações foram mostradas abertamente. Mas durante todo este período, dizem que oficiais superiores da Divisão de Gaza e do Comando Sul das IDF recusaram-se a ouvir os seus avisos. Elas acreditam que isso resultou em parte da arrogância, mas também do chauvinismo masculino.

Os observadores são exclusivamente “mulheres jovens e mulheres comandantes jovens”, explica uma delas. “Não há dúvida de que se os homens estivessem sentados diante dessas telas, as coisas pareceriam diferentes.”

 

‘Diga a todos que os amamos’

 

De certa forma, as horas que antecederam a manhã de 7 de outubro foram bastante normais. Noga, uma observadora estacionada na unidade de inteligência das IDF em Kissufim, perto da fronteira de Gaza, avistou um homem desconhecido e de aparência suspeita parado em frente a um dos portões erguidos ao longo da fronteira da Faixa de Gaza.

Seu relatório chegou ao tenente-coronel Meir Ohayon, comandante do 51º Batalhão da Brigada Golani, que às 3 da manhã, dirigiu-se ao local e, após avistar o homem, disparou gás lacrimogêneo contra ele. O suspeito voltou e dirigiu-se a um posto de observação do Hamas a cerca de 300 metros (quase 1.000 pés) da cerca, que é a distância a que os palestinos podem permanecer. A observadora constatou várias outras pessoas no mesmo local e lhe pareceu que ali estava sendo realizado um ‘briefing’.


Tudo o que foi mencionado acima parecia incomum e perturbador para ela, então ela compartilhou seus sentimentos com as outras observadoras, bem como com o comandante de plantão. Porém, ao final de uma discussão que durou cerca de um minuto na sala de operações e em consulta com a divisão, foi decidido seguir na normalidade.

“Lamento ter que acordá-lo a esta hora”, desculpou-se a observadora ao tenente-coronel Ohayon, “mas ainda acho que há algo estranho aqui”.

Ohayon não se perturbou e respondeu que é sempre melhor estar atenta para evitar surpresas. Poucas horas depois, ficou claro que essa preocupação da observadora não impediu a surpresa.

Essa foi apenas a peça final do quebra-cabeça. Em retrospectiva, depois de compreender plenamente a dimensão do desastre e de ter perdido dezenas de amigos que foram mortos ou raptados pelo Hamas, a enorme escala da desconexão tornou-se clara para a observadora.

Enquanto ela tentava entender quem era a figura suspeita e o que estava fazendo, as IDF e o serviço de segurança Shin Bet já haviam mantido discussões sobre um aviso relativo à infiltração terrorista. A situação foi suficientemente grave para que altos integrantes das forças de defesa decidissem (na sexta-feira à noite) aumentar a presença de forças especiais no sul, enviando uma equipe de especialistas treinada para lidar com esquadrões terroristas.

Outra equipe da unidade operacional Shin Bet e uma força da unidade de comando também foram colocadas em alerta. Uma equipe de elite das IDF de Sayeret Matkal também foi enviada para a área. No entanto, ninguém no Comando Sul ou na sua Divisão de Gaza se preocupou em repassar essas informações para as dezenas de jovens mulheres que serviam como observadoras nas bases militares de Kissufim e Nahal Oz. Isto nem sequer mudou às 4 da manhã, quando foi decidido colocar as próprias comunidades fronteiriças de Gaza em alerta, por medo de uma possível infiltração.


“Se soubéssemos deste aviso, todo este desastre teria parecido diferente”, disse Yaara ao Haaretz.“Ninguém nos disse que havia um nível de alerta tão alto.”

De acordo com Yaara, três horas, ou mesmo duas horas, teriam dado às jovens observadoras tempo para se prepararem. “Mas ninguém pensou em nos contar. As IDF nos deixaram como alvos fáceis em um campo de tiro. Os soldados pelo menos tinham armas e morreram como heróis. As observadoras que foram abandonadas pelo Exército foram simplesmente massacradas, sem qualquer oportunidade de se defenderem.”

Por volta das 6h30, Noga ainda encontrou tempo para relatar sobre o protocolo de “infiltração” para comunidades e postos militares, ao mesmo tempo que ouvia os tiros e gritos dos terroristas fora do centro de comando onde estava estacionada.

No grupo de WhatsApp das observadoras, amigas de Nahal Oz já relatavam que os terroristas estavam por toda parte, que pessoas haviam sido mortas e sequestradas e que não havia para onde fugir. Às 7h17, foi recebida a última mensagem do grupo, assinada por observadoras de Nahal Oz: “Diga a todos que os amamos e obrigado por tudo”.

 

Atitude desdenhosa

 

As palavras críticas das observadoras sobre seus superiores não são uma novidade. Na verdade, o Haaretz publicou um relatório de investigação no ano passado centrando-se na atitude desdenhosa em relação a elas por parte dos seus comandantes. Naquela ocasião, o correspondente do Haaretz falou com observadoras de postos israelenses, incluindo os da Divisão de Gaza.

 

Uma das questões que levantaram foi que a sua voz simplesmente não estava sendo ouvida e que a sua opinião profissional não estava recebendo a devida importância. Parece que qualquer comissão de inquérito que estude os acontecimentos de 7 de outubro terá de começar com os testemunhos das observadoras sobreviventes.


Eles podem identificar incidentes aparentemente cruciais que remontam a meses. Por exemplo, Talia, que serviu como observadora na Divisão de Gaza durante cerca de 18 meses e é, portanto, considerada uma espécie de veterana, conta: “Um mês antes da guerra, eu estava sentada no centro de comando em Kissufim e por volta das 7h00, dezenas de carros e vans chegaram à área pela qual sou responsável, perto de uma das torres de observação do Hamas. Depois de alguns minutos, um carro de luxo parou ao lado deles – o tipo de carro que poucas pessoas em Gaza têm, então definitivamente era o Hamas.”

“Não reconheci todos eles, mas ficou claro para mim que esses homens eram da força Nukhba [forças especiais do Hamas], porque alguns deles usavam máscaras de esqui no rosto para não serem identificados. Saíram de lá para um briefing que durou muito tempo, 30 a 40 minutos, com binóculos, apontando para o lado israelense.”

Talia diz que queria tentar identificar os homens e ver o que havia em seus veículos – então ela apontou as câmeras para um dos idosos que estavam ali e deu um zoom.

“Ele gesticulou para mim, balançando o dedo – 'nu, nu, nu' ”, ela conta, admitindo seu choque porque a câmera estava localizada em um poste alto, a uma grande distância de onde o grupo estava, mas o indivíduo observado sabia exatamente onde era.

Nesse momento, ela chamou sua comandante. “Eu disse a ela que eles podem me ver, que ele está falando comigo pela câmera”, lembra ela. “Ela também viu isso e não sabia como reagir.”

Depois que os habitantes de Gaza partiram, Talia diz que recebeu um relatório de um posto de observação mais ao norte de que o mesmo grupo havia retornado e estava parando em diferentes pontos ao longo da Faixa de Gaza.

Para Talia e os outras observadoras de serviço naquele dia, isto parecia um briefing antes de uma operação contra Israel – e os prováveis invasores agiram em concordância com isso.


“Enfatizamos o evento, informamos que era incomum e que podiam nos ver”, lembra ela.“Relatamos que se tratava de um briefing de altos funcionários [do Hamas] que não conseguimos reconhecer. Mas até hoje não está claro o que [as IDF] fizeram com essa informação.”

Ela diz que suas comandantes também tentaram passar essa informação para a cadeia de comando. No entanto, como oficiais de patente relativamente baixa, estas mulheres “estão tão indefesas como nós perante os comandantes superiores – e certamente perante a divisão e o comando regional”, diz Talia. “Ninguém realmente presta atenção em nós. Para eles, é ‘sentar diante das telas’ e pronto. Eles diriam: ‘Vocês são nossos olhos, não a cabeça que precisa tomar decisões sobre as informações”.

Quando o ataque do Hamas começou, em 7 de outubro, e depois de terem chegado mensagens da base de Nahal Oz, Talia enviou uma mensagem à mesma comandante, perguntando se ela se lembrava do acontecimento anterior. “Ela respondeu que não tinha dúvidas de que eram instruções para o ataque”, relata. “Ao mesmo tempo, estamos vendo vídeos dos nossos amigos sendo levados para Gaza, indefesos.”

 

Cada pedra, cada veículo

 

Dois a três meses — é o tempo que leva para uma nova observadora conhecer o seu setor “melhor do que qualquer outra pessoa nas IDF”, diz Talia. “No meu setor, conheço cada pedra, cada veículo, pastor, campo de treinamento do Hamas, trabalhadores, observadores de pássaros, trilhas e postos avançados.” Nas suas palavras, uma observadora veterana não precisa de “8200 para saber imediatamente se o seu sector está a funcionar de forma anormal”, uma referência à lendária unidade de inteligência.

É trabalho árduo, muitas vezes de Sísifo. O turno de uma observadora dura nove horas, durante as quais ela fica sentada em frente a uma tela tentando monitorar qualquer coisa que pareça incomum, mesmo um ligeiro desvio da normalidade. Qualquer evento desse tipo deve ser imediatamente registrado em um relatório operacional, que é enviado às comandantes do posto e, de lá, aos escritórios de inteligência das divisões e centros de comando relevantes.


O que acontece na prática com a informação que acabaram de transmitir? As observadoras estão achando difícil responder a essa pergunta.

Este também foi o caso quando os drones do Hamas começaram a voar regularmente no seu setor.

“Nos últimos meses, eles começaram a operar drones todos os dias, às vezes, duas vezes por dia, chegando muito perto da fronteira”, diz outra observadora, Ilana. “Até 300 metros da cerca – às vezes, menos que isso. Um mês e meio antes da guerra, vimos que num dos campos de treinamento do Hamas tinham construído uma réplica exata de um posto de observação armado, tal como os que temos. Eles começaram a treinar lá com drones, para atingir o posto de observação.”

Ilana conta como eles repassaram essas informações conforme o protocolo, mas foram além: “Gritamos com nossos comandantes que eles tinham que nos levar mais a sério, que algo ruim está acontecendo aqui. Entendemos que o comportamento em campo era muito estranho, que basicamente estavam treinando para um ataque contra nós. Até agora ninguém veio nos contar o que foi feito com essa informação.”

E então, no Sábado Negro, quando viram os drones explodindo seus postos de observação um após o outro, as observadoras sabiam o que estava acontecendo. “Sabíamos desde o momento em que o ataque começou: era exatamente isso que estava acontecendo no último mês e meio de treinamento”, diz Ilana.

Houve outros sinais preliminares também, dizem as observadoras — estão em relatórios que elas escreveram e enviaram, mas cujo paradeiro é desconhecido.

“Eles nunca divulgaram o que aconteceu com as informações que passávamos”, diz outra observadora, Adi. “Frequentemente, informamos que poderia haver uma infiltração terrorista, que isso poderia acontecer.” É claro que as IDF precisam estar preparadas para tal incidente, mas aparentemente ninguém considerou qualquer ameaça concreta – não importando quantos eventos concretos as observadoras tenham relatado.

“No ano passado, eles começaram a retirar pedaços de ferro da cerca”, diz Adi, citando um exemplo do que estava escrito em outro relatório que pode estar enterrado em alguma gaveta em algum lugar. E há mais.

“No meu setor, eles construíram um modelo preciso de um tanque Merkava IV e treinaram nele o tempo todo”, diz outra observadora da Divisão de Gaza. “Eles treinaram como acertar um tanque com um RPG, onde exatamente acertá-lo e então, diante de nossos olhos, treinaram como capturar a tripulação do tanque.”

Ela diz que as observadoras tentaram alertar que esses exercícios de treinamento estavam, na verdade, aumentando a intensidade, “que havia mais pessoas participando e que estavam sendo realizados com unidades adicionais do Hamas vindas de outras áreas”.

Eles também notaram que vans e motocicletas eram frequentemente utilizadas no treinamento. E quando os protestos começaram a ocorrer perto da fronteira [nos meses anteriores ao ataque], observaram que “há agentes do Hamas que examinam constantemente os locais onde somos menos eficazes com as câmaras. Eles realmente planejaram tudo nos mínimos detalhes. Qualquer um que diga hoje que era inevitável ou que era impossível saber – isso é mentira.”

Nas palavras dela: “Eles abandonaram nossos amigos para morrer porque ninguém queria nos ouvir. Está abaixo da sua dignidade ouvir um sargento – que há dois anos olha para a mesma tela e conhece cada pedra, cada grão de areia – dizer-lhes algo contrário ao que os oficiais superiores da inteligência lhes dizem. Quem sou eu, uma mulherzinha, diante de um homem com patente de major ou tenente-coronel, para quem todos ficam atentos quando ele entra na sala?”

 

Eles nos estudaram em profundidade’

 

Quarenta combatentes do 13º Batalhão da Brigada Golani, alguns rastreadores beduínos e três mulheres combatentes do corpo de artilharia que estavam de prontidão: esta era toda a força em Nahal Oz na manhã de sábado, 7 de outubro, enfrentando centenas de terroristas – uma parcela significativa de os cerca de 3.000 que se infiltraram com vans, carros e motocicletas vindos do mar, da terra e do ar. Os soldados não tiveram chance.

“Eles sabiam muito mais sobre nós do que pensávamos”, diz outra observadora, Liat. “Hoje sei, e minhas amigas também têm certeza, que nos estudaram a fundo. Não apenas de onde estávamos sentadas e observando. Eles fizeram um trabalho insano.”

Uma observadora que estava de plantão num dos postos de observação naquele dia disse: “Havia muitos sinais de alerta ao longo do tempo. O Hamas não planejou e se preparou de forma secreta. Acontece que ninguém pensou em aceitar a opinião de algumas observadoras quando o pessoal da inteligência pensava de forma completamente diferente.”

Em Abril, Smadar sentou-se no posto de observação em Kissufim e notou algo novo num dos campos de treinamento do Hamas. “Eles construíram um modelo preciso da área fronteiriça”, diz ela. “E nele treinaram o procedimento para romper a cerca. Ao contrário do que pensavam as IDF, o treinamento era para infiltração em céu aberto, não em túneis. Com o passar do tempo, o treinamento deles tornou-se mais intensivo.”

Cerca de um mês e meio antes do ataque, esse treinamento aparentemente mudou de direção.

“Começamos a vê-los se distanciando 300 metros da cerca, e seus instrutores ficaram com cronômetros e mediam quanto tempo levavam para correr até a cerca, alcançá-la e retornar às suas posições. Sabíamos que havia algo [acontecendo]”, diz Liat. Segundo ela, embora também ocorressem distúrbios perto da cerca, “as forças israelenses não faziam praticamente nada – até os tiros de alerta pararam. Combatentes israelenses deveriam chegar, disparar gás lacrimogêneo e ir embora.”

Os relatórios que elaboramos, ao que parece, acumularam-se no lixo da tragédia.

Um mês antes da guerra, houve uma aparente mudança de abordagem entre algumas observadoras: um oficial superior da Divisão de Gaza veio à sala de operações de um dos postos ao longo da fronteira de Gaza para falar sobre o setor, por isso uma das observadoras decidiram dizer a ele exatamente o que ela estava pensando.

“Eu disse a ele que haveria uma guerra e simplesmente não estávamos prontos”, diz ela, relembrando a conversa. “O que está acontecendo com o Hamas ao longo da cerca da fronteira não é normal. Eu declarei que eles estão zombando das IDF, que nossas mãos estão atadas e nem sequer estamos [disparando] tiros de advertência.”

A resposta do oficial superior foi perguntar o nome dela, olhar para ela com olhos de advertência e “colocá-la no seu lugar” por ter a ousadia de se dirigir a ele diretamente, em vez de recorrer aos canais adequados.

“O oficial superior me disse: ‘Estou no setor desde 2010. Fui comandante aqui, oficial de inteligência, conheço Gaza de dentro para fora e estou lhe dizendo que está tudo bem. Você está aqui há apenas seis meses e eu estou aqui há 12 anos. Conheço o setor como a palma da minha mão.”

Quem conhece o setor há menos tempo – mas ainda a fundo – é Einat, observadora de Nahal Oz. Naquele sábado, ela estava em casa (“no quarto seguro com a família”), mas reconheceu imediatamente o que estava para acontecer.

"Assim que percebi que havia uma infiltração tão grande, disse [à minha família]: 'Há um ataque do Hamas, eles vão raptar soldados e atacar as comunidades residenciais.' Eu até disse a meus familiares que eles viriam com parapentes [aparelho idealizado de uma mistura de asa-delta e paraquedas, com o qual se salta de uma elevação para descer planando]. Eles olharam para mim como se eu fosse louca. Comecei a gritar que sabíamos que haveria algo e ninguém nos ouviria.”

Depois começaram a chegar as mensagens das amigas do posto, além das fotos e vídeos dos palestinos no Telegram. “Estávamos vendo como eles assassinavam nossos amigos e como levavam outros para Gaza”, lembra ela. “Não consigo descrever a frustração, a sensação de abandono por parte dos comandantes superiores. Emitimos avisos, dissemos aos nossos comandantes, mas somos considerados a base da cadeia alimentar da divisão [e portanto sem qualquer importância].”

Em resposta a este artigo, a Unidade de Porta-vozes das IDF declarou: “As IDF e os seus comandantes consideram igualmente todos os militares, homens e mulheres, que estiveram presentes durante os acontecimentos de 7 de outubro. Os militares, homens e mulheres, são acompanhados por profissionais médicos do sistema de saúde mental. Isso se soma ao contato contínuo dos comandantes, de tal sorte a caracterizar um sistema de apoio e de ouvido atento. O retorno aos seus postos será gradual e sensível, supervisionado e de acordo com a condição de cada pessoa. Não há intenção de medidas disciplinares contra ninguém. Se houver quaisquer conversas que possam sugerir o contrário, elas não estão em concordância com as normas e terão tratamento adequado.”

 

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sexta-feira, 17 de novembro de 2023

O que esperar da Suprema Corte de CorruPTozumba? [Mensagem para o Estadão]

O Estado de São Paulo

Prezado senhor,

 

Um lavrador semianalfabeto estava no barzinho tomando umas e outras com amigos e, de repente, afirmou: “Eu não votei em ladrão!”. Alguns dentre os presentes se indignaram, arrastaram-no e amarraram em um poste. Quando um deles retornou com o chicote, o declarante suplicou: “Mas eu não disse em quem votei; eu não identifiquei nenhum ladrão!”. O inusitado evidenciou a prevalência da ideia de que cada um pensa e age com o cérebro que tem, sob a égide da opção, vocação e caráter que lhe move. 

Rui Barbosa — democrata, antítese dos indignados e que se antecipou a Émile Zola na denúncia da falsidade judiciária envolvendo o militar de origem judaica Alfred Dreyfus – reafirmaria sua épica declaração relativa ao triunfo das nulidades e os consequentes desânimo da virtude, riso da honra e vergonha da honestidade. 

Já o filósofo Jean Paul Sartre — socialista real, parceiro dos indignados e que usou sua genialidade para declarar a irrelevância dos crimes de Stalin; e de forma paradoxal, examinou com acurácia a questão do anti-semitismo — caracterizou, em Huis Clos, a relevância do ato de assumir.

A vida segue ...

CorruPTozumba é um reino imaginário em que a elite dirigente se notabiliza pela conspurcação da liberdade e da verdade, pelo ‘toma-lá-da-cá’ nas interações políticas, pela corrupção generalizada nas ações de governo, pela gestão econômica catastrófica, pela atuação judicial à margem do estado de direito e pela defesa de socialização.

Os integrantes da Suprema Corte de CorruPTozumba são indicados e investidos em suas magnas funções em face das seguintes condições, que seus dirigentes consideram virtuosas:

– reprovação em concurso para juiz;

– prestação de serviços advocatícios para organização criminosa;

– prestação de serviços advocatícios para condenado por assassinatos em país democrático;

– permissão para a esposa trabalhar em escritório que lida com causa que pode ser submetida a julgamento na Suprema Corte;

– atividades empresariais incompatíveis com o cargo;

– difamação de instituições e autoridades corruPTozumbenses no exterior;

– tratamento de questões judiciais fora dos autos do processo;

– militância em campanha política de partido responsável pela maior corrupção da história;

– descumprimento e conspurcação da Carta Magna com decisões espúrias e inconstitucionais; e

– investidura de advogado na egrégia Corte por mandatário amigo que, anteriormente, recebeu seus serviços advocatícios.

Dúvida não há! As Supremas Cortes americana e britânica e os Tribunais Constitucionais e demais Cortes francesa e alemã não possuem magistrados detentores de virtudes similares.

Os integrantes da Suprema Corte de CorruPTozumba observam, com especial interesse, os cidadãos que, na condição de meliantes contumazes, foram aprisionados e, passado mais ou menos tempo da libertação, ascenderam ao posto de mandatário maior do País. As referências preferenciais desses magistrados são os seguintes personagens históricos: Joseph Stalin, na União Soviética; Adolf Hitler, na Alemanha; Pol Pot, no Cambodja (a rigor, Pol Pot não foi encarcerado porque refugiou-se na floresta); Fidel Castro, em Cuba; e Hugo Chaves, na Venezuela.

Nesse contexto, os integrantes da Suprema Corte de CorruPTozumba libertaram o cidadão que a sociedade corruPTozumbense considera, eternamente, ex-honesto, ex-corrupto, ex-condenado e ex-presidiário, para que pudesse ascender ao Poder do malsinado reino imaginário. Por óbvio, a razão prevalente para a libertação foi a virtude desse caboclo ter causado a maior crise social, política, econômica e de corrupção do planeta da família dos zumbas.

Na atualidade, os integrantes da Suprema Corte de CorruPTozumba estão diligenciando para que os recursos recuperados pela sociedade sejam devolvidos para os notórios políticos e empresários corruptos e, de forma definitiva, sejam anulados todas as ações empreendidas pela Operação Tera-Veloz que desmontou os hediondos esquemas de corrupção, aí incluídas absolvições de todos os malfeitores condenados no âmbito dessa e de outras operações contra organizações criminosas do reinado.

O que mais esperar dos integrantes da Suprema Corte de CorruPTozumba, senão um estado de distopia que satisfaça as mentes doentias dos socialistas, sejam eles nacional-socialistas, socialista-fascistas, socialistas reais ou socialistas corruPTozumbenses?

CorruPTozumba não é único. Há vários reinos de CorruPTozumba. Que à luz dos próprios cérebro, opção, vocação e caráter — e inspirando-se em Rui e Sartre —, cada um renuncie à decisão de não se envergonhar e adquira a faculdade de assumir o CorruPTozumba que lhe apraz. 

Tudo bem! Que sejam o que são! Mas é relevante indagar: quando todos os entes humanos entenderão e abandonarão o ideário de CorruPTozumba, bem como o preconceito contra etnia, religião e ambiente de liberdade e verdade?

Por óbvio, é fácil entender as razões pelas quais o maltratado reino de CorruPTozumba prossegue em um dos maiores retrocessos da história deste e dos demais planetas.

Atenciosamente,

ARS

Assinante do Estadão

 

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Comissão da Verdade [Mensagem para o Estadão]

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[Clique sobre o título desejado]
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O Estado de São Paulo

Prezado senhor,

 

O texto apresentado a seguir foi escrito em 2012. É intrigante, surpreendente e estarrecedor que ele se aplique à realidade que estamos vivenciando neste ano de 2023.

E a mídia como evoluiu? E em especial o Estadão como está contribuindo para que a história prossiga sem se atolar na indigência inquietante e sem que prevaleçam pensamento e ação resultantes de cérebro, opção, vocação e caráter deploráveis?

Atenciosamente,

ARS

Assinante do Estadão

 

 

Brasília, 12/10/2012

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HARMONIA, SOLIDARIEDADE, JUSTIÇA E RIQUEZA


Na semana que passou, constatei que o Estadão, que tenho lido nos últimos 40 anos, deu extensa cobertura ao assunto Comissão da Verdade. Ao que foi apresentado no editorial principal, foram agregadas opiniões de uma vasta gama de personagens importantes da intelligentsia brasileira.

Tento modestamente colocar algumas questões que não foram mencionadas pelas pessoas notáveis que emprestaram seus talentos para abordar o problema.

Quando se analisa qualquer país que, em algum momento da história, tenha desempenhado ou esteja desempenhando o papel de ator global, verifica-se a prevalência de três condicionantes: 

(i)   a ocorrência de trauma social, cultural, político e militar generalizado, caracterizador de ponto de inflexão da história da nação; 

(ii) a existência de intelectual ou conjunto de intelectuais, identificador e definidor dos rumos dos respectivos país e sociedade; e 

(iii)  a existência de estadistas, capazes de catalisar as energias e sinergias à luz das indicações da intelectualidade ¾ não raro, no aproveitamento do êxito resultante do mencionado trauma ¾ para empreender a transformação que leva o país à atuação global.

Ao se enfocar as metas incluídas no contexto da Comissão da Verdade, vale a indagação: há ou houve trauma, intelectual e estadista na evolução brasileira? A amostra de cidadãos testemunhas da instalação da aludida Comissão é um bom indicador para se arguir, debater e exercer o pleno direito ao contraditório. Neste texto, restringirei minhas observações ao terceiro pilar, a questão dos estadistas. Tratarei do cenário e do contexto político brasileiro dos últimos trinta anos, sem citar nomes. Minha opção é tentar uma abordagem despersonalizada e, tanto quanto possível, conceitual e institucional.

O Maranhão e outras capitanias da Federação são laboratórios adequados para as experiências sociais, políticas e culturais requeridas. Seus IDHs e como corolário o padrão de saúde, moradia, educação, funcionamento da justiça, ou vice-versa, tornam-nos contraexemplos das práticas satisfatórias de gestão do bem público. Pois bem, a condução maranhense tem sido extrapolada para o Brasil todo, durante tanto tempo, não importando que alinhamento ocupe a liderança maior do País. Por que não instituir uma Comissão da Verdade para avaliar quantas crianças pereceram ¾ para ser mais realista, quantos milhares de crianças pereceram ¾, inicialmente no Maranhão, e depois no restante do País, como resultado das práticas políticas, algumas quase medievais, oriundas daquela capitania?

Em face dos impulsos com gênese em Alagoas, o Parlamento brasileiro teve uma atuação exemplar em quadra recente de nossa evolução política. Quais as consequências, para a Nação, da falta de prosseguimento das ações saneadoras fomentadas pela sociedade e acolhidas pelo Poder Legislativo? Por que o exemplo maranhense no atinente a alinhamento de liderança regional com a liderança do País é imitado inequivocamente nessa outra capitania? Não seria razoável implantar uma Comissão da Verdade para avaliar as perdas do povo alagoano e as consequências para o País?

É razoável esperar que um intelectual, quando em função pública executiva, tenha o dever imprescindível de transformar o cenário educacional em sua esfera de atuação. Não deve haver dúvida de que poucos intelectuais ocuparam o mais alto cargo da Nação brasileira. Lamentavelmente, nos anos recentes, o desempenho educacional da juventude brasileira se ombreia com o dos países com as piores classificações, dentre aqueles que são mundialmente avaliados ¾ para dúvida não restar, a referência disponível é a do PISA, conjunto de procedimentos consagrados, no concerto dos países com nível minimamente satisfatório de organização. Ora, os brasileiros devem pleitear uma Comissão da Verdade para identificar as perdas resultantes da inépcia de intelectual na liderança da Nação e na solução das questões educacionais patrícias, com ênfase para as consequências da indigência educacional em todas as demais esferas coletivas, a começar pela morte de criancinhas, o abandono aos idosos, a segregação em favelas e tantas outras constatações, podendo algumas ser consideradas hediondas. Essa Comissão teria que apurar também se a verdade tem apenas uma faceta, apenas um lado, ..., se a verdade é, recursivamente, uma meia verdade, conforme enunciado por notável integrante da intelectualidade. Para ele, os assassinatos do Toledo e da Elizabeth Mazza Nunes, perpetrados por seus próprios companheiros, com motivações e ações tipicamente nazi-comunistas ¾ para ficar apenas com dois exemplos ¾ não podem ser objeto de apuração da verdade. Goethe, dando solavancos no túmulo, tem razões para estar berrando “Lich, mehr licht!” (“Faaaltaaa luuuzzz!”).

Nossa evolução traz-nos para tempos mais recentes, onde a despeito da onda de otimismo generalizado, testemunhou-se um dos períodos de maior corrupção em nosso maltratado País. Por oportuno e por decência, deve-se asseverar que essa é também uma questão antiga. Basta lembrar Rui Barbosa e sua célebre Oração aos Moços ¾ “De tanto ver triunfar as nulidades...., o homem chega rir-se da honra, a desdenhar da virtude, a ter vergonha de ser honesto, ...”. Entretanto, o que assombraria mestre Rui é a dimensão, é a escalada, é a violência da malversação do bem coletivo na atualidade. Temos alguns poucos meses para conferir se, do episódio do “mensalão”, resultará a catarse requerida e para confirmar a celebrada metáfora de François Andrieux, que colocou na boca do moleiro de Sans Souci o verso: Oui, si nous n’avions pas des juges à Berlin.” (“Sim, se não houvesse consciências em Brasília!”). O que se deve arguir é porque não implantar uma Comissão da Verdade para avaliar os destroços humanos resultantes do desvio de recursos públicos de hospitais, escolas e programas de moradia e saneamento, para as mãos de quadrilhas organizadas ¾ ressalte-se, segundo avaliação da alta instância do Ministério Público. Bom, um doutor defende a tese de que a verdade é como a Lua, deve ter uma face visível e outra oculta; seu homônimo, o doutor LHC (L. Honoris Causa) nunca defendeu tese, ou melhor, defende a tese de que o “mensalão” não existiu, como se fosse possível não existirem a Lua e a verdade. São homônimos não pela coincidência de siglas, mas pela coincidência de exegese da práxis político-financeira para manutenção do poder. O presente, o que é o presente senão o esbarrar do passado com o futuro? 

A História ensina que, no passado, o nazismo foi um sistema de gestão que assassinou e torturou milhões de pessoas. Ensina que o comunismo assassinou e torturou outros milhões, quem sabe muito mais do que seu alter ego. Ensina também que o Brasil contribuiu, com os 25.000 militares da FEB, em 1945, para varrer da Europa o fascismo e o nazismo; e impediu que, em 1935 e 1964, o comunismo se implantasse no Brasil. 

O que significa defender, preconizar, lutar e matar pela implantação do nazismo, fascismo ou do comunismo em um País como o Brasil? O que significa empreender essa luta, sofrer-lhe as consequências e depois mentir, asseverando que a luta era contra a ordem vigente? Que tal uma Comissão da Verdade, com o íntegro testemunho do Gustavo Gorender, para retirar a máscara que engana e agride? Para que dúvida não reste: independentemente do que tenha ocorrido, é perversidade matar (fora do Estado de Direito) ou torturar, mesmo quando a cidadã ou o cidadão peleja pelo nazi-fascismo-comunismo!

Inicialmente, esta missiva cogitou de três vertentes da construção de um país ator global, mas discorreu sobre generalidades de apenas uma delas: a indigência de líderes ou ausência de estadistas em um período recente de nossa história, inferência que pode ser extrapolada para o conjunto inteiro, ressalvadas exceções poucas. A revolução transformadora ¾ que não precisa ser necessariamente armada ¾, a intelectualidade e também a liderança de Estado são temas a serem explorados em nosso País, devendo a última ser tratada, não com a minha indignação, mas com elevada qualificação. Os intelectuais da atualidade precisam gerar intelectuais melhores para indicar os rumos de nossa evolução. Poucas organizações ou instituições tem o potencial do Estadão para estimular os questionamentos, propor os desafios, elaborar as provocações para que brasileiros com a requerida condição intelectual, com coragem e integridade, e, sobretudo, isentos de associação com a malversação do interesse coletivo e com ideologias anestesiadoras, tratem da questão.

Parece razoável nutrir a expectativa de que, a despeito da inequívoca simpatia do Estadão para com aqueles que defendem a Comissão da Verdade restrita, a parcialidade resultante dessa atitude possa ser atenuada para que continuemos a nos orgulhar do jornal e, sobretudo, para que haja um despertar em nosso País da omissão de parcelas ponderáveis de integrantes da política, da intelectualidade e da juventude, na construção de um caminho autônomo e com independência em relação aos países poderosos da atual conjuntura. E, especialmente, que faça germinar entre nós a decência, a ética e a generosidade no bem servir.

Ou então conformemo-nos com o País que é um dos cinco ou seis maiores produtores de automóveis no mundo, mas é o único dentre os oito primeiros que não tem uma indústria de automóveis pertencente a nacionais e com capital majoritariamente nacional; ou conformemo-nos com um País cujos equipamentos fundamentais de suas Forças Armadas são majoritariamente de concepção e produção estrangeira ¾ lembrando que não existe exemplo na História que contemple povos vitoriosos com equipamentos militares concebidos e fabricados fora das fronteiras nacionais; ou nos acovardemos diante da corrupção endêmica, sistêmica, desenfreada e incalculável; ou aceitemos com passividade um dos piores sistemas educacionais dos 60 países do mundo com melhor nível organizacional — a propósito, estou ao lado de filho de família modesta, neto de negra e bisneto de índia que não precisou da malfadada política de cotas para ingressar em uma das melhores Faculdades de Engenharia do País, bastou apenas mérito e escolas públicas satisfatórias; adicionalmente, jamais faltou a um dia de aula, do ensino fundamental às três pós-graduações realizadas, em decorrência de greve, não raro, entre nós, o direito universal de punir os menos aquinhoados, com a bênção daqueles a quem não interessa um povo letrado (por óbvio, identifiquei minha trajetória) —; ou, entre tantas outras aceitações, conformemo-nos com o fato de que a lista de livros mais vendidos do Estadão, quando comparada com as suas congêneres no mundo, é a que contém a maior densidade de autores estrangeiros.

Ou então vivamos em estado de catalepsia cerebral, imaginando Comissões da Verdade, que a rigor deveriam ser alcunhadas Comissões da Vergonha e Humilhação. 

Não tenho qualquer constrangimento em ser acusado de detentor de agenda negativa. Entendo que a faculdade de interpretar o todo é um atributo fundamental do ser humano. Entendo que a capacidade de indignação é essencial para que haja a prevalência da ética, da decência e da justiça. E, por último e primacialmente importante, entendo que é fator evolutivo, com enorme relevância, a disposição e coragem para vasculhar as entranhas de qualquer organização, sociedade ou nação, para identificar-lhes as mazelas e construir uma agenda voltada para a realidade sem práticas medievais, sem corrupção, sem ausência de compromisso com Educação e sem meias verdades ou meias mentiras, não importando quão doloroso seja.  Enfim, um País com harmonia, solidariedade, justiça e riqueza, com acesso assegurado a todos, à luz de irrepreensível prevalência do mérito.

Diante de qualquer juízo contrário, entendo que não devo, como Galileu, retratar-me, mas vale lembrar sua frase emblemática: “E pur se muove” (“Não adianta me forçarem a mentir!”).

ARS

Assinante do Estadão