quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Empreitada antidemocrática


ESTADÃO — 5/Set/2018


O Estadão publicou editorial comparando o Bolsonaro com o Lula e inferindo que o candidato à presidência da República pelo PSL, da mesma forma que o sentenciado do PT, não se insere no universo daqueles que pugnam pelos ideais democráticos.


RESPOSTA DESTE (E)LEITOR


[Divulgado no Facebook, em 5/Set/2018]

A primeira referência ao Estadão, eu a ouvi há cerca de 55 anos, quando meu professor de português se referira ao jornal como um dos mais confiáveis de sua espécie. Leio o jornal há mais de 40 anos e tornei-me assinante há quase 20 anos atrás. 
Ao ler o editorial “Empreitada antidemocrática” (A3, de 5 de setembro), confirmei a tendência que vinha observando nos últimos meses. O jornal demonstra que se posiciona no cenário político de forma flagrantemente contrária ao candidato Jair Bolsonaro, o que convenhamos satisfaz ao atributo da liberdade que deve estar presente em qualquer atividade humana de uma sociedade democrática. Porém, seria conveniente que à semelhança do que ocorre em outras plagas, a direção do jornal declarasse com clareza seu posicionamento. 
Na questão do mérito das opiniões divulgadas no editorial, Bolsonaro e Lula são chamados de “gêmeos univitelinos”, para complementar o raciocínio de que “os petistas vivem a denunciar que eleição sem Lula é uma ‘fraude’ ”. Quer dizer, Bolsonaro é comparado a um criminoso condenado em segunda instância por corrupção e outros crimes. É comparado a quem tenta insistentemente burlar as leis vigentes para livrar-se da cadeia. É comparado a quem já atribuiu culpa a sua mulher por malfeitos de que fora acusado. É comparado a quem vivia o usufruto de um sítio, cuja propriedade tem sido negada de forma recorrente. É comparado a quem recebia recursos financeiros de empresas com interesses em empreendimentos governamentais, em pagamento de honorários de supostas palestras, onde a dúvida sobre sua concretização jamais foi esclarecida — até porque falta-lhe escolarização e conhecimento para ministrá-las. Evidentemente, a comparação é um produto do teatro do absurdo em estado puro.
No prosseguimento do texto, o editorial destaca “que Bolsonaro, a exemplo dos petistas, não tem a menor disposição de acatar qualquer desfecho da eleição que não seja a sua vitória”.  Isso foi afirmado diante da hipótese aventada pelo candidato de que será eleito presidente “desde que não haja fraude nas eleições”. A esse respeito, convém ressaltar que qualquer candidato tem o direito de achar que sairá vencedor das eleições. Ademais, é de conhecimento pleno e universal que o processo de eleição por intermédio de urnas eletrônicas não é adotado em qualquer país do mundo, nas condições brasileiras, pela inequívoca possibilidade da existência de fraude. Qualquer ser humano, não importa se estúpido ou genial, sabe que todos os bancos e todos os serviços secretos do mundo lutam um pertinaz combate às fraudes eletrônicas; e o processo funciona como uma corrida em volta da mesa, onde o corredor da frente segue corrigindo as possibilidades de fraude e o corredor seguinte segue quebrando os códigos do primeiro corredor, em um processo sem fim. Então, a probabilidade de fraude nas eleições com urnas eletrônicas existe e o processo deveria ser alterado. Esse foi o contexto das afirmações do candidato. O autor do texto ignorou essa circunstância ou simplesmente abandonou-a por falta de compromisso com a história do jornal ou com seus leitores.
A análise do editorial prossegue asseverando que “ao PT, nessa empreitada antidemocrática, agora se junta Bolsonaro, que hoje é o principal porta-voz de um setor da sociedade que defende a implosão do sistema político, considerando-o totalmente corrompido”. A frase tem uma generalização oriunda do descompromisso já evidenciado. A política é vital para a prevalência da democracia. A política alicerçada na corrupção deve ser varrida, deve ser implodida, sem qualquer sombra de dúvida. A mentira, a canalhice, o “balcão de negócios” e o “toma-la-da-cá” devem ser varridos e implodidos no âmbito da atividade política, queiram ou não os políticos, os intelectuais, os artistas e os integrantes da mídia que defendem a política nesse nível rasteiro e abjeto.
Assim, o editorial chega à conclusão de que “para o resto da sociedade, que se preocupa com a manutenção das liberdades, trata-se de oportuna lembrança de que a democracia só existe com respeito às regras e ao resultado da eleição”. Primeiro, há que enfatizar que a manutenção das liberdades não interessa apenas para o resto da sociedade, interessa para todos. Interessa para todos a liberdade de praticar a verdade, especialmente, para um jornal com a responsabilidade do Estadão — pelo menos para o jornal do professor no meu período de adolescência ou para aquele que comecei a ler no início da vida adulta ou para aquele de que me tornei assinante e, ainda hoje, recebo todos os dias em minha casa. Ademais, a democracia só existe com respeito às regras decentes, aprovadas pelos representantes do povo — como a comprovação do voto impresso que foi denegada de forma incompreensível. Só existe com respeito ao resultado da eleição determinado pela votação consciente, livre e sem a interferência de processo duvidoso e com a possibilidade de ser fraudulento.
Por último e de fundamental relevância, espera-se que um jornal com a trajetória do Estadão tenha a liberdade de fazer prevalecer seus interesses e possa escolher o candidato para o qual dirigirá seus esforços; quanto a isso, dúvidas não há. Mas espera-se que a verdade, a coragem e a ética façam parte de sua filosofia, de seus procedimentos e obviamente de seus textos. Não se espera comparações absurdas, desprovidas de fundamentos racionais e fundamentadas em desvios ilógicos. Se assim não for, valem para o jornal — para o jornal não, isso seria injusto, mas para autores de texto como o editorial ora citado — a expressão de Brecht, convenientemente adaptada “Quem luta pela canalhice tem que poder lutar e não lutar; dizer a verdade e não dizer a verdade; prestar serviços e negar serviços; manter a palavra e não cumprir a palavra; .... Quem luta pela canalhice tem de todas as virtudes apenas uma: a de lutar pela canalhice”.

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