"O lavrador perspicaz conhece o caminho do arado." Homenagem a Oscar Barboza Souto, antigo lavrador, garimpeiro e comerciante. In Memoriam. |
O objetivo deste texto é apresentar comentários atinentes a quatro encontros fictícios de escritores já falecidos, idealizados pelo amigo Francisco Gomes de Amorim [*]. Esse infatigável escritor português, radicado no Brasil, vasculhou três milênios de história literária e filosófica para eleger os participantes dos eventos, nos quais foram explorados, sucessivamente, os seguintes temas:
- busca da paz;
- política;
- ideologia; e
- religião e educação.
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[*] Francisco Gomes de Amorim
É oportuno mencionar que conheci o escritor Amorim por ocasião da épica viagem à Antártica, em 2009, organizada pela Marinha do Brasil e com apoio aéreo da Aeronáutica. Habitualmente participam dessa viagem oficiais generais das três Forças Armadas e relevantes personalidades do mundo civil, dos três poderes da República e, eventualmente, da iniciativa privada.
Na atualidade, Amorim pertence à rara amostra de seres humanos que atingiram os 90 anos de idade, trabalhando com pertinácia, resiliência, alegria e bom humor.
Nessa amostra, não há muitos homens ou mulheres. Dentre eles, podem ser citados:
– Clint Eastwood, cineasta americano, 94 anos (nascimento: 31/05/1930); de forma emblemática, ele declarou que o segredo para trabalhar em sua idade é “Não deixar o velho entrar!”;
– Quincy Jones, músico e produtor musical americano, 91 anos (nascimento: 14/03/1933);
– Lindolpho Carvalho Dias, engenheiro e matemático brasileiro, consagrado mundialmente, 94 anos (nascimento: 01/03/1930);
– Nestor Silva, militar e herói de guerra brasileiro, 106 anos (nascimento: dd/mm/1920); a rigor, no sentido estrito, não trabalha, entretanto participa de inúmeras solenidades durante o ano, com deslocamentos, homenagens, entrevistas e discursos;
– Iris K. Bigarella, escritora brasileira, 100 anos (nascimento: dd/mm/1923); autora do livro “Chegando Feliz aos Cem Anos – História de uma Apaixonante Jornada”;
– ‘Dame’ Jane Goodall, antropóloga britânica, 90 anos (nascimento: 03/04/1934); e
– Miriam Cardoso, restauradora de obras de arte, brasileira, 90 anos (nascimento: dd/mm/1934).
O escritor Francisco Gomes Amorim[*] concebeu reunião fictícia de uma plêiade de escritores portugueses e brasileiros já falecidos, realizada no Mosteiro de Alcobaça, em Portugal. Dentre os convidados, convém destacar Camões, Alexandre Herculano, Machado de Assis, Gilberto Freyre, Ariano Suassuna e Guimarães Rosa.
Essa reunião deu origem ao livreto “Encontro de Escritores – Uma Reunião Inesquecível”, publicado pela editora Sítio Livro.pt. São autores o próprio Amorim e Herique Salles da Fonseca (também escritor português e seu amigo).
Valendo-se da elegância habitual, o Amorim presenteou-me com uma versão desse magistral opúsculo. Da contracapa, extraio uma indicação de seu conteúdo:
“Para além da fama como escritores o que levam os literatos desta vida? E do que falam entre eles?
Eis o que ensaiam os autores deste pequeno livro.
Tratando-se de gente culta e educada, uma coisa é certa: nenhum fala da sua própria obra, mas apenas do que aprendeu com os outros.”
O admirável texto é complementado, com uma espécie de epílogo, na forma de crônicas de “testemunhas” previamente escolhidas; e também com comentários de leitores que tomaram conhecimento do evento pelo blog do autor.
A leitura, realizei-a com alegria. O contato com fragmentos do que essa turma talentosa e genial nos fez herdar é incomparável e nos retira das complexidades e grosserias vivenciadas na atual conjuntura, mercê da atuação de políticos, intelectuais, juristas e gente da mídia que nos entristecem e envergonham.
O Brasil tem solução ...
Conforme indica a conclusão das considerações subsequentes, solução há para a distopia brasileira...
Foram deixados de fora do “Encontro de Escritores ...", os autores que, por infelizes opção e vocação, abrigam em suas mentes o ideário socialista. Cabe então cogitar como seria a participação de três integrantes dessa grei — Jorge Amado, José Saramago e Jean-Paul Sartre; este, francês, para confirmar que toda regra pode ter exceção. Tentar é desafiador. A seguir, é apresentada uma modesta provocação atinente a esses personagens não incluídos na magnífica obra de Amorim e Fonseca.
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A trindade socialista finalmente deu as caras. Conquanto aparentemente tranquilos, Saramago, Amado e Sartre arrastavam-se sem ocultar o peso da consciência dilapidada. Dirigiram-se para uma mesa em que as taças de vinho ainda estavam intocadas. O diálogo entre Saramago e Amado é surpreendente e esclarecedor.
— Estimado Jorge, no passado, no livro “Entre Quatro Paredes” (“Huis Clos”), o Jean-Paul colocou no inferno três personagens para purgarem os vícios cometidos na trajetória terrena, quando cada um achava que “o inferno são os outros” (l’enfer c’est les autres”). Similarmente, deixamos nossa eternidade e, aqui retornamos, para purgar as contradições, os desvios político-ideológicos e a mácula da moralidade e da ética, contidos em nossa forma de pensar e agir.
— É bem verdade, José. E nesse sentido, foi estabelecido que o Jean-Paul deve permanecer calado por ter declarado que “somos condenados a ser livres”, mas venera o sistema onde as pessoas são condenadas a viver sem liberdade; e por não se ter sensibilizado com a divulgação dos crimes de Stalin, por Kruschev, no XXº. Congresso do PCUS. Ademais, a despeito de sua expectativa por uma taça de vinho, ele está impedido dessa facilidade francesa; ele só pode ingerir vodca, que pode ser servida agora, ... ou não!
— E você meu caro Jorge, vai ter que renunciar àquela mulata baiana que está lhe esperando na recepção deste conclave. Em nosso purgatório particular, você está impedido de seguir para a Bahia acompanhado pelo espécimen de imprescindível seio desnudo — por seus próprios vícios e também porque o povo baiano está sujeito ao desastre de uma administração socialista. Só lhe resta uma vantagem: você está impedido de confirmar, in loco, o desastre de quem se propõe a abraçar o socialismo.
— É bem verdade, José! Consolo-me em saber que não estou sozinho nessa expiação. Você, por seu turno, não poderá encontrar-se com sua filha Violante e sua última esposa Pilar del Rio (presentes na recepção deste conclave), e seguir para a vila de Azinhaga, onde você nasceu, e onde seria homenageado pela gente da província Golegã. É uma pena, dado que não poderá constatar que, de fato, “o ideal de vida é ser uma árvore”, como você bem afirmara, porém se o socialismo prevalecesse em suas plagas de origem, ele desertificaria o ambiente e assim o ideal de vida passaria a ser um deserto.
— Sim. Mas pelo menos não vivenciamos a tragédia do Jean-Paul que produziu “A Idade da Razão” (“L’Age de Raison”), porém em sua trajetória, tendo abraçado o socialismo, abdicou sistematicamente do uso da razão. Mas mudando de assunto, mestre Amado, considerando que sou um ganhador do prêmio Nobel de Literatura, você não acha que eu deveria pleitear um alívio nas medidas que esses irreconhecíveis patrícios lusitanos estão nos impondo?
— Veja bem, José, os cidadãos do mundo estão vivenciando uma questão paradoxal. Eles devem fazer a opção pelo supostamente grande José Saramago ou pelo inequivocamente grande Boris Pasternak? Como assim? Você me perguntaria. Você ganhou o prêmio Nobel por sua obra literária “Ensaio sobre a Cegueira”, relato de uma epidemia torturante que aflige os seres humanos; à qual tem semelhança com a tortura resultante da atuação dos adeptos do socialismo que você venera cegamente. Já o Boris Pasternak também foi premiado com o Nobel de Literatura, exatamente porque, com sua monumental obra “Dr. Jivago”, ele realizou robusta e contundente denúncia contra os absurdos do socialismo.Nesse instante, achegam-se integrantes da comissão organizadora do conclave para entregar o roteiro das próximas etapas do processo. A segunda etapa da purgação que começaria em breve, consistia na terrível sina de que os três malsinados passariam a ficar eternamente mudos. Um dos portadores da informação aduziu que a terceira e última etapa estava ainda em discussão. As opiniões estavam divididas; havia gente pró e outros contra. A proposta inicial era cortar as mãos dos três socialistas para que não pudessem mais escrever e, subsequentemente, eliminar do cérebro a faculdade de pensar, de tal sorte que a moléstia intelectual e moral que portavam deixasse de ser contagiosa; e não mais se espalhasse por mentes desavisadas.
Passada a surpresa das perspectivas subsequentes, os três interlocutores retomaram o diálogo.
— Afável Jorge, é imperioso que arquitetemos uma solução para impedir essa tragédia. Por acaso, não lhe ocorre alguma ideia. Por pior que sejam as nossas, não custa tentar algo. Afinal, sonhos e milagres existem. Basta que os procuremos.
— José, José Saramago! Talvez o Brasil tenha a solução milagrosa. E se nós renunciarmos a nossos ideários, denunciarmos o assassinato de cem milhões de cidadãos no mundo pelo socialismo e ... — embora não haja cadeiras, a gente precisaria se sentar para não ter um AVC! — e se nós propusermos a eliminação, antes de 1º de janeiro de 2023, das faculdades de pensar e agir dos lulo-petistas brasileiros, com a renúncia automática a qualquer cargo público eletivo ou não?
— Brilhante solução, Jorge (tão Amado)! Mas falta apenas resolver a questão daquele careca. Bom, é fácil! Um tiro na testa contraria os direitos humanos, sendo pois inaceitável, contudo, foi concebido um raio laser com o diâmetro tão diminuto que, se destinado à parte central do cérebro não tem consequência vital, o paciente sobrevive normalmente, porém se torna tão útil quanto qualquer vegetal. Então, chamemos os integrantes da comissão organizadora.
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Por óbvio, o venerável Francisco Amorim não admitiria a inclusão deste texto adicional. Macular a obra não é preciso. Simples assim! Ele jamais quebraria a leveza e a elegância de seu magnífico opúsculo, concebidas com inexcedíveis criatividade e talento.
Demonstrar que ‘o inferno é o socialismo’ (‘l’enfer c’est le socialisme) pode ser objeto de outras obras.
2º. Encontro de Escritores
A boa repercussão do primeiro encontro fictício de escritores no Mosteiro de Alcobaça, em Portugal, concebido por Francisco Gomes de Amorim, estimulou-o a criar uma nova reunião, desta feita, no Brasil, num local maravilhosamente adequado: o incomparável Real Gabinete de Leitura, na rua Luís de Camões, no Rio de Janeiro — uma das mais belas bibliotecas do mundo ou até mesmo a mais bela de todas.
Dentre os escritores convidados, devem ser enfatizados Gonçalves Dias, Machado de Assis, Zélia Gatai, bem como três bisavôs do arguto Amorim: o homônimo Francisco Gomes de Amorim, João Fick e Antonio José Arroyo. Ademais, foi incluído Alberto da Costa e Silva, diplomata e especialista em assuntos da África, que recentemente se foi para o além, e é o pai da Elza, amiga desde os tempos de infância, de minha esposa Isabel.
Fui honrado com a honra e o privilégio de ser convidado para compor a equipe de “testemunhas” e apresentar minha visão sobre o evento, a ser incluída no livreto “Novo Encontro de Escritores”.
Além da resposta atinente à condição de “testemunha”, à guisa de provocação, resolvi enviar um texto adicional, em que incluí na reunião fictícia três escritores estrangeiros.
A seguir, é apresentado o texto relativo à minha participação como “testemunha” e aquele referente à provocação da inclusão de estrangeiros.
1] Participação como "Testemunha"
Nobre amigo Amorim,
Seu magnífico “Novo Encontro de Escritores” é a completa demonstração de sua vasta cultura. Pinçar em meio milênio, um número relativamente reduzido de escritores que constituem uma amostra verdadeiramente representativa do que esse universo de pessoas geniais lançou para a posteridade é obra de paciência, resiliência e sobretudo conhecimento.
Pelo sim pelo não, sinto-me imerso em baita confusão. Eu que ando com a tendência de só ler texto com, no máximo duas linhas curtas, e que se caracterizem como legenda de vídeo que não pode ter mais de três minutos, agora tenho que me defrontar com os diálogos de vinte e um notáveis escritores que são oriundos de até quase meio milênio!
Eu que, conquanto idoso, faço parte da juventude que recebeu como herança o celular e a enorme agressão à cultura que ele representa; e por via de consequência, a renúncia ao prazer da leitura longa, agradável, criativa e motivadora de sonhos!
Mas o que é mesmo cultura? O que importa? Ajuda a operar a “cultura” da tela de meu equipamento favorito? Ora, ora, cultura pode ser saber buscar qualquer coisa, todas as coisas, com um simples movimento dos dedos? Isso basta para acompanhar o ritmo, a velocidade do que se passa no mundo, em qualquer tempo, no exato momento imediatamente posterior a que tudo ocorre?
Bom, mas como é mesmo que faço para transportar o texto do computador para o celular? É neste que eu vejo, assisto, leio, passo os olhos no conhecimento. E tem que ser com rapidez para que não caia no esquecimento e no desconhecimento aterrorizante.
Pensando bem, um primeiro contato com o texto, bem rápido, pulando uma boa parcela de palavras deu para perceber que os velhinhos eleitos são bons na arte da palavra. Não importa o lugar onde viveram, o que andava correndo em suas voltas, as modas e os modismos. Será que eles escreveram para a eternidade? Será que essa é a razão pela qual o amigo Amorim planejou esse memorável encontro?
Uma primeira consequência é a ampliação da faculdade essencial do ser humano: pensar. São diálogos ditadores; eles nos obrigam a pensar. A segunda consequência é a confirmação do sentido universal da faculdade de comunicação do ente humano, por meio da palavra; e, nesse sentido, há como que uma conjunção de gente de várias plagas, objetivando vivenciar virtudes, valores e crenças; e encaminhá-las para uma mesma direção; e aí salta aos olhos o objetivo fundamental do ser humano: a busca de paz e harmonia, somente possível por intermédio de um sistema, regime ou conjunto de procedimentos que podemos sintetizar como democracia (em estado puro, é lógico; não essa tão maltratada, agredida, conspurcada, ...); e que, por seu turno, se alicerça nas noções de liberdade, verdade, coragem e ética.
Que os encontros prossigam caro amigo Amorim. Talvez dessa maneira nós nos desvinculamos, ao menos momentaneamente, dessa praga da modernidade que impactou tanto a nós todos — o celular; e potencialize a motivação e a satisfação da boa leitura. Os velhinhos geniais merecem e nós merecemos receber a herança eterna pela qual eles pelejaram para nos deixar.
Um forte e fraterno abraço,
ARS – 1ª. Testemunha
Brasília, 6 de março de 2024
2] Provocação atinente à inclusão de estrangeiros
O texto que elaborei na condição de “testemunha”, no âmbito do 2º Encontro de Escritores, foi anteriormente apresentado.
Prossigo tratando ainda do 2º. Encontro, agora com o relato da participação de três escritores estrangeiros, na reunião fictícia ocorrida no Real Gabinete. Esse acréscimo foi proposto ao Amorim, à guisa de provocação.
São eles: Alexander Soljenitsyn, Hannah Arendt e Jung Chang. Enfatizo que, como Chang, a co-biógrafa de Mao Tse Tung, ainda está viva, utilizei o artifício de começar meus garranchos com um sonho; e nele a Chang faleceu — isso terá consequências que exporei em oportunidade futura.
Cumpre asseverar que, em face de minha proposta provocativa — que intitulei Missão Impossível — o Amorim considerou-a uma contribuição, incluiu-a no livreto e, além de “testemunha”, concedeu-me a suma honra — que peca pelo exagero em face de contribuição menor — de dar-me a condição de coautor do opúsculo.
Missão impossível
Eu tive um sonho. Sonhei que Jung Chang, coautora de “Mao – A História Desconhecida”, falecera.
Terrível! Sou obrigado a lembrar que o poeta John Donne (que viveu de 1572 a 1631), atormentado por seus dramas familiares, afirmara: “a morte de cada homem me diminui, porque sou parte da humanidade. Portanto, nunca procure saber por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”; ou interpretando de forma simples e modesta: “quando alguém se vai, um pouco de cada um de nós vai junto”. Então, querermos, mesmo inconscientemente que alguém parta, significa que podemos estar querendo que uma parte de nós acompanhe quem supostamente partiria.
Mas o sonho foi longo e complexo. Após seu passamento, Chang convencera Hannah Arendt (autora de “Julgamento de Eichmann”) e Alfred Soljenitsyn (autor de “O Arquipélago Gulag”) a participarem do “Novo Encontro de Escritores”, a ser realizado no Rio de Janeiro.
Mas que sonho! Previamente, Chang se reunira com Arendt e Soljenitsyn para os acertos primevos, e para estabelecer o objetivo de dialogar com os demais escritores — gênios da literatura que deixaram extraordinária herança em língua portuguesa — sobre o autoritarismo vigente no Brasil e os infaustas influências nas demais nações herdeiras de Camões.
Chegado o dia convencionado, Chang se adiantou para receber seus dois parceiros. Capengando, mas com a fronte voltada para a vanguarda, Arendt e Soljenitsyn chegaram quase juntos, foram recepcionados por Chang e se sentaram em cadeiras confortáveis, diante de uma mesa redonda que girava, permitindo que se servissem alternadamente de vodca, baijiu e steinhaeger. O excelente vinho brasileiro foi recusado.
Chang deu-lhes as boas-vindas e com objetividade relembrou os objetivos da participação dos três estrangeiros — enfatize-se: avaliar o autoritarismo que assola e oprime a sociedade brasileira, com reflexos não apenas nas nações herdeiras de Camões, mas em boa parcela das demais nações do globo terrestre.
Assim, no Novo Encontro de Escritores, começou uma reunião paralela entre os estrangeiros que dividiram uma das mesas redondas do Real Gabinete de Leitura. E cada um deles, em sequência, dirigiu-se a quem estava sentado à direita, propondo-lhe questionamentos relevantes.
Tão acostumado a ambientes estranhos e adversos, Soljenitsyn dirigiu-se a Arendt, enfrentou-a com veemência:
“Minha cara Hannah, em seu magnífico ensaio filosófico por ocasião do julgamento no Tribunal de Israel, você declarou algo parecido com:
<Eichmann não era nenhum Iago, nenhum Macbeth, e nada estaria mais distante de sua mente do que a determinação de Ricardo III de “se provar um vilão”. A não ser por sua extraordinária aplicação em obter progressos pessoais, ele não tinha nenhuma motivação. E essa aplicação em si não era de forma alguma criminosa; ele certamente nunca teria matado seu superior para ficar com seu posto. Para falarmos em termos coloquiais, ele simplesmente nunca percebeu o que estava fazendo.>
Estimada parceira, será que você não estava antecipando o posicionamento dos políticos e demais cidadãos brasileiros socialistas tupiniquins da atualidade? Será que a ‘banalidade do mal’ não é uma característica da doença que aflige o cérebro dessa turma irresponsável e nefasta que tomou o poder no Brasil?”
A notável filósofa judia balançou a cabeça, expressando sua dúvida e, voltando-se para Chang, declarou:
“Estimada Chang, estamos tratando de assuntos diferentes a despeito da motivação hedionda encontrada em qualquer socialismo. Veja bem, em sua magistral obra sobre o maior assassino da humanidade, você aponta o seguinte testemunho sobre o Grande Expurgo de Mao, associado com a brutalização contra cidadãos, incluindo os assassinatos a sangue frio ou de fome:
<A fim de garantir a total disponibilidade dos estudantes para levar adiante seus desejos, Mao mandou encerrar as aulas a partir de 13 de junho. ‘Agora as aulas estão interrompidas’, disse ele, e os jovens ‘ganham alimento. Com a comida, eles têm energia e querem fazer tumulto. O que podemos esperar deles senão bagunça?’ A violência irrompeu dentro de poucos dias. Em 18 de junho muitos professores e funcionários da Universidade de Pequim foram arrastados diante da multidão e maltratados; seus rostos foram pintados de preto e puseram chapéus de burros em suas cabeças. Forçaram-nos a ajoelhar-se, alguns foram espancados e as mulheres foram sexualmente molestadas. Episódios semelhantes se repetiram em toda a China, provocando uma cascata de suicídios.>
Sei não! Sei não, nobre Chang! Quando formulei a ‘banalidade do mal’ sofri intensas críticas de todas as direções. Agora, essa questão dos socialistas tupiniquins, ... entendo que difere da atitude disciplinada de um modesto funcionário, que mediante ordem, se encarregava de selecionar nomes de cidadãos para o cadafalso. Entendo que não apenas sofrerei críticas, mas me afundarei no abismo da estupidez tão do agrado dessa turma que não sabe para onde vai e quer levar junto todos os demais.”
Chang entendeu que precisava desafiar Soljenitsyn, o primeiro manifestante da mesa. Então, asseverou:
“Entendo que o camarada Soljenitsyn poderá motivar nossa capacidade de pensar. E a razão é simples. Conquanto os tumultuosos anos vividos no implacável frio siberiano o tenham mergulhado em vários poços de incerteza, o testemunho de 227 sobreviventes dos campos do Gulag dá-lhe condições para clarificar a questão proposta, até porque uma simples declaração, dentre uma profusão de tantas outras, é de uma riqueza imensa, bastando relembrar seu pungente e avassalador relato:
<... uma coletânea de relatos de condenados políticos do sistema prisional soviético, se transforma numa fonte reveladora do universo repressivo comunista e introduz um prenúncio da ruína do iceberg soviético que produzia monstros como o coronel Eliazov, famoso por quebrar a coluna de seus interrogados, e o comissário Eziépov que matou um oficial da força aérea apenas para dormir com sua mulher por uma única noite.>
Será que a ‘banalidade do mal’ que envolve os socialistas tupiniquins impede o exercício de sua faculdade de pensar e eles continuam achando que o socialismo é solução e o Gulag que você bem definiu é a ‘banalidade do bem’ que eles pregam?”
Como cada um tinha desafiado quem estava sentado à sua direita, já que dentre os três presentes, ninguém se voltava para a esquerda — claro, isso apenas em sonho; mas é opção ou vocação humana? —, Chang decidiu encerrar a reunião, naquela mesa, pediu a palavra e mencionou para os demais vinte e um notáveis que o problema do socialismo tupiniquim é nefasto, hediondo e incurável, já que é baseado, motivado e alicerçado nos maiores traumas da Humanidade, causados pela prevalência do socialismo — o nacional-socialismo germânico, o socialismo real soviético o socialismo real chinês. E nem mesmo três dentre os maiores especialistas em socialismo da História, Arendt, Soljenitsyn e ela própria, conseguiram um diagnóstico sobre essa turma que se apoderou do poder num dos grandes países do mundo.
Sonho ou pesadelo? Finalmente, acordei e a tensão da tentativa de compreender o socialismo tupiniquim arrefeceu. Até mesmo em sonho esse desiderato é impossível.
3º. Encontro de Escritores
Nos diálogos telefônicos com o Amorim, ele revelou que havia decidido continuar com a saga de realizar encontros fictícios de escritores que já passaram para o outro mundo. Então, aos dois primeiros encontros já finalizados, ele acrescentaria outros dois e estava concluindo a versão inicial do terceiro encontro.
Ele asseverou que eu seria uma das “testemunhas” e por isso deveria pensar sobre o assunto, pois estava me enviando o texto do terceiro encontro que só continha escritores de língua portuguesa.
Sentindo-me honrado e privilegiado por interagir com um idoso que, após nove décadas de uma existência plena de realizações em três continentes, continua trabalhando com afinco na arte de pesquisar fontes literárias de muito alto nível e reproduzir com criatividade os ensinamentos colhidos.
Com satisfação, apresentei-lhe a interpretação requerida.
Participação como "Testemunha"
Ilustre amigo Amorim,
Como nos relatos dos Encontros de Escritores anteriores, sua saga inexcedível de busca do saber para a fictícia reunião de uma pequena e expressiva parcela de escritores continua com a sabedoria habitual. O que você chama de “brincadeira” se constitui em exercício fantástico de argúcia e curiosidade intelectual.
Desta feita, com a pesquisa ao longo de 26 séculos, você atingiu o objetivo de nos imergir nos meandros da política, da estratégia, da educação, do direito e da filosofia, basilares alicerces intelectuais de todas as culturas. E adicionalmente conseguiu estimular e motivar a faculdade essencial do ente humano: a arte de pensar, tão necessária e imperiosa nesses dias atuais, em que a complexidade conjuntural tem levado muitos a renunciar à utilização do bom senso, da razão e da lógica, esses fundamentos da citada arte.
Reunir esses personagens e fazê-los dialogar e transmitir aspectos relevantes do que edificaram em suas obras é a “brincadeira” mais séria que alguém possa imaginar.
Inicialmente, é oportuno louvar a feliz escolha do Mosteiro de Suso, localizado na histórica San Millan de Cogolla, em La Rioja, na Espanha, para o encontro dos velhinhos. Afinal, esse conjunto monumental se distingue não apenas pela importância artística e religiosa, mas também e sobretudo pelas virtudes linguísticas e literárias, dado que monges escreveram romances em pré-castelhano e em basco, que se constituíram em berço de algumas obras hispânicas e do próprio basco.
De fato, instigar Sun Tzu e, dentre outros, Hanna Arendt, Vitor Hugo, Schopenhauer, Tolstoi e Shakespeare a desafiarem-se no sentido de proferir, em tão poucas palavras, verdades que impactaram a história é meta descomunal, que de forma apaixonada e brilhante, você está deixando como herança para a posteridade.
Meu caro amigo Amorim, creio que todos aqueles que tiverem a ventura de ler esse seu magistral texto, vivenciarão a oportunidade de perceber quão coerente seu “brincar” é com o que levou para o encontro Rudiard Kipling, isto é, já que “fostes capaz de pensar, sem que a isso só te atirastes, de sonhar, sem fazer dos sonhos teus senhores”, você provou que “tua é a terra com tudo que existe no mundo; e o que é mais, tu és um homem, ó meu filho”.
Kipling saiu do encontro sorrindo pela certeza da inexcedível riqueza que esse contato possibilita; e torcendo para ser escolhido para o próximo –– ele tinha certeza de que seu poema é consagrado entre os leitores habituais, porém sequer imaginava que seus congêneres iriam manifestar tamanha satisfação em relê-lo e apreciá-lo de forma efusiva.
Um fraterno abraço,
ARS – 2ª. Testemunha
Brasília, 31 de março de 2024 –– data da celebração da liberdade, da verdade e da ética.
4º. Encontro de Escritores
Finalmente, o amigo Amorim chegou ao último encontro fictício de escritores. Para fechar essa sequência de eventos, ele elegeu dois temas: religião e educação. Por isso, começou com Aquenathon, o faraó que por volta de 1300 a. C. substituiu o politeísmo por um deus único, Aton; e num total de trinta e dois sábios, incluiu Zaratustra, Buda, Sócrates, Platão, Aristóteles, Kant, Rousseau, Locke, Lutero e Francisco de Assis. Indubitavelmente, um desafio formidável.
Ele tomou uma decisão excelente; vai reunir os textos dos quatro opúsculos e publicar um livro, contendo-os.
Uma vez mais, fui convidado a participar do acontecimento, na condição de “testemunha”. Por essa razão, apresento a mensagem que submeti ao amigo.
Participação como "Testemunha"
Estimado amigo Amorim,
Mais uma vez me coloco na posição de observador privilegiado por ter a ventura de apresentar modestas palavras sobre seu projeto majestoso de desencadear o encontro fictício dos grandes sábios da humanidade com o objetivo de transmitir fragmentos de seus escritos que, pela universalidade, se aplicam à atual conjuntura em que nos inserimos.
Preliminarmente, é imperioso mencionar que o resultado inicial evidencia talento, criatividade e perseverança de sua parte, para atingir meta tão ambiciosa.
Uma primeira reflexão nos permite a constatação e (ou) a lembrança de que em todos os tempos e em todos os lugares, amparados na possibilidade de criar condições para que a vida se torne melhor, mais agradável e mais eficaz, os seres pensantes tentaram buscar a compreensão das virtudes que emolduram a evolução da vida sob a égide do bom senso, da racionalidade e da lógica. E para isso, passaram a admitir a existência de alguma entidade que criava, impulsionava e potencializava essa faculdade que jamais esteve acessível a outras espécies de animais. É curioso e surpreendente que essa constatação alicerça o surgimento da figura divina e de religião, monoteísta ou politeísta, entre todos os agrupamentos humanos da humanidade.
Outro aspecto relevante é a tentativa dos grandes sábios da história de formalizar processos para a compreensão das complexidades da vida humana e para a aquisição e transmissão do conhecimento que lhe alicerça. Então, em todos os escritos compilados — enfatize-se, sob o manto da excelência — dúvidas não há de que a educação é uma abordagem adotada em todos os processos evolutivos do ser humano.
Neste inexcedível 4º. Encontro — tão influenciado pelos três anteriores e, mais do que isso, potencializado pelas experiências e vivências antes praticadas — os dois temas espiritualidade e educação viajam em mais de vinte séculos de forma paralela, cada um impactando e enriquecendo o outro, numa interdependência que conceitua e caracteriza a própria evolução do ser humano.
O mérito de seu trabalho e o talento requeridos não podem ser esquecidos nestes garranchos que tenho a primazia e o privilégio de formular. Extrair conceitos e ideias contidos em fragmentos de texto, porém pertencentes a um universo tão amplo como a obra dos escritores geniais eleitos para o fim almejado é tarefa hercúlea do ponto de vista intelectual.
Por último e primordialmente importante, permito-me destacar que diante de tentativas da formalização no Brasil de procedimentos educacionais, não raro com graves deficiências, a leitura das interações entre os melhores escritores da História é valiosa para se construir os estatutos e as normas que devam presidir a atuação dos responsáveis por Educação em nosso País, tão dependente de excelência governamental nesse campo da gestão pública. Essa proposição fica bem estabelecida com sua extraordinária visão de reunir os grandes filósofos, religiosos e educadores, no fechamento de “uma espécie de ‘Tetralogia de Encontros Etéreos’ ”, para recordar e dialogar sobre a herança, em alguns casos, milenar que nos deixaram.
Um fraterno abraço
ARS – 2ª. Testemunha
Brasília, 22 de abril de 2024
Um reparo final: e os textos do infatigável Francismo Gomes de Amorim? Calma e paciência se impõem! É preciso aguardar a publicação e divulgação oficial.
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