domingo, 14 de junho de 2020

Os generais em seu labirinto - I

Em face de solicitação de formadora de opinião que tem demonstrado credibilidade — enfatizo na condição de cidadão, contribuinte e eleitor e nos limites que a lei me impõe — opino sobre o artigo “Os generais em seu labirinto”, de Christian Edward Cyril Lynch, publicado hoje na Folha de São Paulo. Uso a abordagem de destacar cada frase controversa e comentá-la.
1
“Ele [Bolsonaro] seria um “Lula de direita”, e Braga Netto seria Palocci”
— A comparação é grosseira, sofrível, de alguém que ou não pensa ou pensa que os outros não pensam (se não estivesse preocupado com a grosseira diria: ... ou pensa que os outros são idiotas!). Com todos os defeitos que o presidente possa ter, jamais se aceita que seja comparado com um bandido de enésima categoria, medida essa categoria pela deslealdade com a mulher falecida; pela atitude com empresários e colegas operários, quando ele surgiu aí nos meados da década de 1980. Apenas como lembrança: quando Bolsonaro era vereador, ele foi o único parlamentar municipal a não aceitar um carro zero Km pago com recursos públicos. Comparar Braga Netto com outro bandido é também uma falsidade grosseira.
2
“ ‘Deixa a gente [os militares] tentar’. É esse ‘peixe’ da racionalidade político-administrativa que os generais vendem aos líderes do Congresso e aos ministros do STF, quando se encontram a portas fechadas”. 
— O articulista assistiu a esse diálogo ou contaram para ele? Eu duvido que esse diálogo tenha ocorrido. E supondo que eu esteja errado e ele tenha ocorrido, isso significa que o militar achou que seu interlocutor era um caboclo que não conhece política ou não tem capacidade de avaliação.
3
“O golpismo não passaria de ‘retórica inflamada’ para manter a base mobilizada.” 
— Golpismo é uma forma de atribuir aos outros aquilo que a pessoa tem na cabeça. Golpismo é o que algumas parcelas de políticos, magistrados e integrantes da mídia têm tentado fazer com o presidente eleito democraticamente, com a consequente desmoralização perante a sociedade. Isso se assemelha às alcunhas atribuídas a Bolsonaro (racista, homofóbico etc). Veja que o Lula pode desrespeitar as mulheres, os gays e os negros e não acontece nada (onde estavam os formadores de opinião?).
4
“Afinal, Lula também não mandava chamar o ‘exército do Stédile?”  
— Ninguém consegue citar quebra-quebra, prejuízos para terceiros, invasões de propriedade e outros crimes cometidos pelo pessoal que costuma fazer manifestações com as cores verde-amarelo. Essa comparação é bem parecida com aquelas que os cidadãos que defendem o legado de Stalin, Hitler e outros costumam utilizar.
5
“A esta altura, já podemos inferir por que os militares relutam em abandonar Bolsonaro.” 
— Alguém como o Sérgio Moro abandona o barco por causa de sua biografia, esquecendo a biografia de 200 milhões de brasileiros. Do ponto de vista da mentalidade (às vezes distorcida, como consequência do treinamento da gestão da violência), o combatente só abandona a missão, se mandado embora ou se for surpreendido pela morte.
6
“[Os militares] Ficam contrafeitos com o fato de que uma tempestade imprevista — a pandemia — tenha aumentado a chance de um naufrágio, justo quando estavam no comando do navio.” 
 O caboclo não tem a menor noção do que seja a formação militar (refiro-me a qualquer militar do mundo — durante dois anos convivi, no Oriente Médio, semanalmente, com francês, italiano, indiano, russo, chinês, tcheco, iraniano, alemão, ...). A partir do primeiro dia na Academia Militar, somos treinados para o conflito, para o trauma, para a confusão, para o risco e para as situações imprevistas. Lembro que na guerra, a maioria dos mortos são soldados, cabos, sargentos e tenentes. Eu enfatizo o tenente porque esse oficial conduz seu pelotão para a vida ou para a morte. Ele jamais fala: “Vá lá e lute, viva ou morra!”. Se agir assim, ninguém vai. Sua voz de comando é: “Vamos, sigam-me! Vamos lutar, viver ou morrer!”. É por isso que entre os 467 mortos nos campos de batalha da Itália, em 1945, não havia muitos capitães, majores ou coronéis; mas havia muitos tenentes. Quem fica contrafeito com a dificuldade, tem que fazer outra coisa.
7
“Crendo que Mourão teria menos condições de conter as ‘forças anárquicas’ da sociedade, ainda veem o ‘Lula da direita’ como a melhor garantia contra o Lula verdadeiro.” 
— Não é preciso ser militar para avaliar a qualificação do general Mourão. Sendo não militar, basta ouvir cinco palestras dele, para inferir que a asserção está totalmente equivocada. Sendo militar, basta dar uma olhada no currículo do general Mourão, em sua trajetória, nos episódios polêmicos que enfrentou para concluir que a asserção do articulista é infeliz. A rigor, o general Mourão é um dos brasileiros da atualidade melhor preparado para estar num alto cargo da República.
8
“Nem por isso [os militares] admitem ‘desordem’ das ruas ou pressão de juízes ‘ativistas’.” 
— A expressão contém vício de origem. Ora a maioria dos brasileiros tem enorme dificuldade de admitir que o Brasil é uma República bananeira onde não há a prevalência da Carta Magna e demais instrumentos jurídicos. Os militares não fogem à regra. Se a Constituição e as leis forem desrespeitadas, enquanto cidadãos, os militares não admitem, não aceitam e se colocam na possibilidade de — seguindo o mandamento constitucional — agir para que o cidadão comum ou o cidadão magistrado aja de acordo com os preceitos democráticos.
9
“Infelizmente, nossos generais subestimam Bolsonaro. Acham que o exploram para seu projeto, quando é ele que os explora para o seu.” 
— Com essa afirmação, o articulista atingiu o patamar da asneira. Contra os políticos, contra a imprensa, contra os poderosos, sem recursos financeiros e sem a possibilidade de utilizar os meios de comunicação social tradicionais, o caboclo venceu a eleição presidencial, com larga margem de votos, e vem um sujeito irresponsavelmente declarar que os generais subestimam Bolsonaro? Ora, é o analista que está subestimando os outros. Não se quer que seja um gênio, mas não precisa ser tão adepto de estultice.
10
“Ao contrário de Lula, um moderado que se fazia de radical, Bolsonaro é um radical incapaz de ser moderado.” 
— Por que ele não declarou ‘ao contrário de Lula, um bandido que se fazia de honesto, Bolsonaro é um honesto incapaz de ser corrupto’? Qual foi o ato de Bolsonaro comparável a Fidel Castro, Hugo Chaves, Maduro (para ficar apenas na atualidade e no continente americano)? Chamar Bolsonaro de radical é o mesmo que chamá-lo de racista, homofóbico etc. Como ele poderia vencer e depois ele venceu, é preciso atribuir-lhe tudo o que há de ruim, desconfortável e desabonador. Convenhamos, não resiste a menor análise crítica.
11
“Assim que a tempestade passar, vai se livrar de Braga Netto, como já se livrou de Santos Cruz, Mandetta e Moro.” 
— Para o autor do artigo, o presidente não pode demitir ministros? Começando pelo Moro; no início, sua investidura pareceu um acerto. A cada dia que passa, ele demonstra que sua taxa de escrúpulo vai entrar na escala negativa. No atinente ao Mandetta, constata-se que estava fazendo da pandemia um negócio próprio de ascensão na escala política. Em relação ao Santos Cruz, não disponho de dados. Independentemente disso, se o presidente avalia que deve substituir um ministro, cabe a ele providenciar a demissão e não tem que dar satisfação a ninguém daquilo que é sua responsabilidade exclusiva. Isso vale para todos os ministros. 
12
“Mais grave, os generais não percebem que, na utopia regressiva de Bolsonaro, não há lugar para o Exército Brasileiro.” 
— No Poder Executivo, o lugar do Exército Brasileiro está claramente definido. A Força Terrestre está atuando de acordo com os preceitos constitucionais. E mais do que isso, está atuando em muitas frentes onde o País, do ponto de vista institucional, não está suficientemente preparado, seja na Amazônia, no Nordeste ou, entre várias outras, nas terríveis fainas da pandemia do coronavirus. Quem é militar e está na Presidência da República em cargo civil, deve agir como cidadão no desempenho de responsabilidades públicas determinadas pelo presidente e ao abrigo das normas legais. Da maneira como o articulista quer, não há lugar para o Exército Brasileiro e não deve haver mesmo.
13
“O presidente sonha com um Brasil de “povo armado”, dominado por novos “bandeirantes” que exploram a terra de modo predatório, liderados por uma oligarquia de empresários inescrupulosos.” 
— Como militar da reserva — e falo apenas em meu nome — entendo que uma grande parcela de formadores de opinião tem fraudado esse tema. Ela é muito simples: Stalin, Hitler, Fidel Castro, Pol Tot, Hugo Chaves e outros fizeram questão de desarmar a população. Não é mera coincidência que todos os ditadores nefastos e hediondos tiraram as armas da população. Suíços, americanos e vários outros povos democráticos não tem essa restrição. O povo brasileiro já se manifestou majoritariamente sobre o problema e a grande maioria dos cidadãos é favorável à manutenção do direito de possuir armas. O Parlamento, com a adesão majoritária dos esquerdistas contrariaram a majoritária vontade popular e votou instrumento de desarmamento das pessoas de bem. O que o Poder Legislativo fez foi garantir que somente o crime organizado — que despreza a lei — pode possuir armas. A afirmação do “sonho com um Brasil de ‘povo armado’ ” é uma fraude, é uma falsidade. E mais: exploração da terra de modo predatório é crime e  ação de empresário inescrupuloso pode ser crime; então, tem-se aí um caso de polícia e justiça. E supondo que o presidente esteja apoiando atividade criminosa (enfatizo: acho que não está!), o aparato democrático deve atuar, a Justiça deve ser acionada e agir.
14
“Como na Venezuela, as Forças Armadas serão braços das milícias bolsonaristas”. 
— Em primeiro lugar, não reconheço milícia bolsonarista. Só os derrotados, os cafajestes, os inconformados e os oponentes da democracia admitem isso. No atinente às Forças Armadas, desde 1648, contra holandeses; depois contra franceses e ingleses; na guerra do Paraguai (com todo o respeito ao País e povo, agora parceiro e irmão); nas campanhas lideradas por Caxias, que mantiveram a integridade nacional; nas lutas pelas consolidação da independência; na ínfima participação na Primeira Guerra Mundial; na heroica participação na Segunda Guerra Mundial e contribuição para a derrota do nazismo; e nas ações que impediram a evolução do comunismo no Brasil, elas, as Forças Armadas brasileiras foram vencedoras e são invictas e imorredouras.
15
“Convido nossos militares a refletirem se, sustentando Bolsonaro hoje, não estariam dando asas à cobra que os engolirá amanhã.”
— Não sei se alguém com um pensamento tão distorcido — seria dissonância cognitiva? — tem direito de fazer chamado à reflexão. Apenas por apego à liberdade, verdade, coragem e ética — falando estritamente em meu nome, como cidadão, contribuinte e eleitor que trabalhou pelo Brasil nas Forças Armadas durante mais de 40 anos — respondo que soldado brasileiro não dá asas à cobra que o engolirá, da mesma forma que na história não deu asas às cobras similares ao nazismo e ao comunismo. E por extensão, não dá asas à cobra que pode engolir qualquer brasileiro, independentemente, de cor, gênero, religião, tendência política e até doença ideológica. 

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