domingo, 1 de dezembro de 2019

Ilyushin, Tupolev, Sukhoy, Mikoyan & Gurevich (MiG), Shumovsky e a espionagem científica, tecnológica, industrial e militar

"O lavrador perspicaz conhece
o caminho do arado".
Homenagem a Oscar Barboza Souto,
antigo lavrador. In Memoriam.
No livro “The Spy Who Changed History” [*], lançado em Londres em 2017, a escritora Svetlana Lokhova relata como a URSS — que em 1930 era um país com várias décadas de atraso em relação aos países desenvolvidos ocidentais — conseguiu, através da maior operação de espionagem da Humanidade, montar uma máquina de guerra capaz de derrotar  a Alemanha, na frente oriental da Segunda Guerra Mundial, e subsequentemente, enfrentar os Estados Unidos na Guerra Fria.
A operação de espionagem consistiu em infiltrar cerca de 80 engenheiros e cientistas espiões nas dez principais universidades americanas (sendo 20, dentre os mais qualificados, no Massachussets Institute of Technology, o MIT) — com intensa interação com o parque industrial correlato — para transferir conhecimento científico-tecnológico e industrial, com foco na aviação e ciência nuclear.
É relevante destacar que os engenheiros Andrei TUPOLEV, Serguey ILYUSHIN, Pavel SUKHOI, Artem MIKOYAN & Mikhail GUREVICH (MiG) fizeram parte de comitivas que, em meados da década de 1930, visitaram o parque industrial aeronáutico americano, com a óbvia lente e perspicácia científica e industrial, na extraordinária investida para extrair dos Estados Unidos o conhecimento e a experiência para a construção do parque aeronáutico soviético. Eles foram devidamente orientados e apoiados pelos cientistas espiões, sob a liderança do engenheiro  Stanislav SHUMOVSKY.
A seguir, é formulada um contextualização e apresentada uma tradução do prefácio do livro da escritora russa, estabelecida em Londres, com a meta de oferecer os estímulos para que os interessados na construção do poder militar possam confirmar o conhecimento da mais ambiciosa e bem sucedida operação militar de transferência científico-tecnológica e industrial da história. A obra da russa Lekhova destina-se também a aqueles que visualizam a conquista da qualificação requerida para a construção autônoma de armas do futuro — armas laser, armas magnéticas, armas satelitais ou quaisquer outras — que ainda não foram previstas, projetadas e construídas; e até mesmo aquelas que sequer foram pensadas.
  

Contextualização
A jovem autora russa Svetlana Lokhova, radicada no Reino Unido, aparenta um certo distanciamento ou neutralidade — poderia ser confundido com simpatia? — em relação ao mundo soviético. É imperioso pois jamais esquecer ...
Na década de 1930, o ditador Joseph Stalin ordenou o roubo, por meio de espionagem, de conhecimento científico-tecnológico e industrial dos Estados Unidos.
A partir da década de 1930, o Stalin tornou-se responsável direta ou indiretamente pelo assassinato de mais de 20 milhões de cidadãos soviéticos.
Em meados da década de 1940, no âmbito da Segunda Guerra Mundial, a URSS aliou-se aos Estados Unidos, Reino Unido, França, Canadá, Austrália, Brasil e outros aliados e conquistou a vitória contra a Alemanha nazista. 
A partir do final da década de 1940, a URSS iniciou o processo de concretização do status de superpotência e passou a competir com os Estados Unidos, no processo histórico conhecido como Guerra Fria.
Em 1989, a URSS esfacelou-se, colocando fim, no leste europeu, ao regime que mais pessoas assassinou na história da Humanidade, o comunismo — mais de cem milhões de pessoas na Europa, Ásia, África e América; e nesse sentido, ultrapassou o nazismo, que por seu turno, excluindo os mortos no campo de batalha, assassinou mais de 6 milhões de pessoas na Alemanha.
É imperioso enfatizar que o Brasil combateu com pertinácia o nazismo e o comunismo. Cerca de 460 brasileiros pereceram na Itália, em 1945, combatendo e derrotando o nazismo. Cerca de 120 brasileiros pereceram no Brasil, a partir de 1964, combatendo e derrotando os comunistas. Nas duas circunstâncias históricas, nazistas alemães e comunistas brasileiros que optaram pela luta armada foram vencidos e, evidentemente, aniquilados. Por último e primacial, que dúvida não reste, comunismo e nazismo são doenças semelhantes, incuráveis e contagiosas.


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[*] Nota 1

Sorbonne, Livraria L’Écume des Pages e Livraria Waterstone

 

Em 2018, perguntei às minhas filhas qual era a opção para celebrar o aniversário de 15 anos: festa ou viagem? Elas indicaram viagem e escolheram Paris e Londres como destino. Uma delas pediu que, em lá chegando, fôssemos a universidade e a livraria — nesta, ela queria verificar quais autores brasileiros estavam projetando nossa cultura.

Então, em Paris, passamos na livraria L’Écume des Pages, na Boulevard Saint Germain, e depois fomos à Sorbonne — apenas eu e Alessandra; Isabel preferiu seguir para o hotel com Laura e Cecília. Naquela consagrada universidade, era término de período acadêmico e o acaso nos colocou em um coquetel de celebração do término das aulas dos alunos de medicina. Inicialmente, fomos bem recebidos por um dos participantes. Depois, apareceu o responsável pela organização, que ao descobrir que éramos estranhos ao ambiente — e ainda mais estrangeiros! —, deu uma bronca enorme e nos expulsou do evento. Saímos rápido, pegamos a primeira rua a nos colocar em segurança. Era a rua do ‘barulho’: tinha dezenas de jovens com cara de poucos amigos, sentados ou deitados, consumindo maconha, cocaína e crack. Um horror! Um sufoco! Segurei firme as mãos de Alessandra, apressamos o passo e, com a vista voltada para a vanguarda e pensamento voando baixo, tratamos de evaporar daquele ambiente.

Em Londres, ao sair da National Gallery, a proximidade da Livraria Waterstone facilitou nossa caminhada. Minha esposa foi procurar alguma ‘novidade’ de Jane Austen e Virgina Wolf; as meninas foram procurar obras de autores brasileiros ou fazer o tempo passar. Eu zanzei de um lado para outro, sem uma meta específica. Dei com os olhos no livro “The Spy Who Changed History – The Untold Story of How the Soviet Union Won the Race for America’s Top Secrets”, da Svetlana Lokhova, lançado em 2017. Folheei, bisbilhotei, não hesitei e paguei para ver. E aí me lembro da infância, aprendendo as primeiras letras, quando o velho pai, com o alfabetismo de apenas dois meses na escola, ensinava que uma carta devia começar pela expressão: “Escrevo essas mal traçadas linhas para ... ”. Então, esse livro seminal e emblemático é a origem dessas mal traçadas linhas — poderia até ser um pouco criativo: ... desses tortuosos garranchos.

 

[**] Nota 2

A Universidade de Paris (em francês Université de Paris) é uma das mais antigas instituições de ensino superior da Europa e localiza-se na França. Já não existe como uma única universidade, uma vez que, em 1970, foi dividida em treze universidades independentes umas das outras.

Foi fundada aproximadamente no ano de 1170, a partir da escola da catedral de Notre-Dame. Era comum haver escolas junto às catedrais na França na época. [...]. 

Os principais prédios da universidade, apesar de não serem contíguos, têm por centro o edifício da Sorbonne. Esta, originária de uma escola fundada pelo teólogo Robert de Sorbon ao redor de 1257, foi o mais famoso colégio de Paris. [...]. 

Sua localização atual, no Boulevard Saint-Michel, data de 1627 quando Richelieu a reconstruiu a suas custas. Desde o século XVI, por ser a faculdade mais importante, a Sorbonne acabou por ser considerada como o núcleo principal da Universidade. Sorbonne e Universidade de Paris passaram a ser sinônimos. [...].

Nos anos de 1960, a Universidade de Paris, mediante uma política de ingresso capaz de atrair um número maciço de jovens estrangeiros vindos de países economicamente subdesenvolvidos, tornou-se um centro mundial de difusão do socialismo, do marxismo, do comunismo, do anarquismo e do antiamericanismo, superando neste afã a própria Universidade Patrice Lumumba, que fora criada especificamente para esse fim em Moscou, no início da mesma década. [...]. 

Após a crise, o governo de direita procedeu a uma reforma geral profunda na organização do ensino superior francês, através do Ato de reforma da educação superior, do mesmo ano de 1968. Com base nesse ato, em 1970 a Universidade de Paris foi dividida em 13 universidades autônomas e financiadas pelo Estado, localizadas principalmente em Paris (Paris I a XIII).

                                Fontes: https://www.sorbonne-universite.fr (Consulta: 22/Ago/2018).

                                Fonte:   https://pt.wikipedia.org/wiki/Universidade_de_Paris (Consulta: 22/Ago/2020).           

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The Spy Who Changed History — The Untold Story of How the Soviet Union Won the Race for America’s Top Secrets
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Por Svetlana Lokhova
[Background dessa escritora]
(i)   Tema da dissertação de mestrado na Universidade de Cambridge, Reino Unido: Felix Dzerzinsky, fundador do primeiro serviço de Inteligência soviético, em 1917.
(ii) Trabalhou em pesquisa relacionada com o ‘Arquivo Mitrokhin’, como integrante do Cambridge Security Iniciative, em parceria com o cientista Christopher Andrew, historiador oficial do MI5.
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PREFÁCIO
Tradução: Aléssio Ribeiro Souto

Em 1931, Joseph Stalin anunciou, ‘Nós estamos cinquenta ou cem anos atrasados em relação aos países desenvolvidos. Nós devemos recuperar o atraso em dez anos’. Essas palavras começaram um corrida para preencher a enorme lacuna tecnológica entre a União Soviética e os países capitalistas líderes. O prêmio em jogo era nada menos do que a sobrevivência da URSS. Acreditando que frotas de bombardeiros inimigos espalhando gás venenoso logo apareceria sobre o céu indefeso das cidades russas, e previsão de que milhões morreriam pela inalação de toxinas mortíferas, Stalin enviou dois agentes de inteligência — um especialista em aviação e outro em armas químicas — para uma missão no Instituto de Tecnologia de Massachussets. Ele determinou que eles obtivessem os segredos desse centro de pesquisa em aeronáutica e armas químicas e os levassem para a União Soviética, como forma de defender sua população contra as novas armas de terror e guerra moderna.
Os resultados dessa missão mudariam o curso da história e levariam a KGB a reconhecer que após essa primeira operação ‘a América era uma constante e insubstituível fonte de obtenção de novas tecnologias’ para a URSS. Depois de 1931, os soviéticos usariam a inteligência científica e tecnológica, particularmente no campo da aviação, para protegê-los contra seus inimigos, culminando com a derrota da Alemanha nazista e, graças à espionagem posterior, e contribuindo para a transformação do balanço global de poder em um complexo e tenso equilíbrio. Uma vez que ambos os lados possuíam armas de poderio igualmente destrutivo, a Guerra Fria não evoluiu para uma guerra concreta.
Ironicamente, a América foi a origem do aparato nuclear dos dois lados. Mais tarde, as agências americanas atribuíram à hemorragia de tecnologia sofisticada para a URSS o termo ‘pirataria’ e tentaram sem sucesso estancar o fluxo de segredos. Na União Soviética, a economia resultante dessa espionagem tecnológica atingiria um total de centenas de milhões de dólares e foi incluída no planejamento econômico oficial de defesa do estado.
Os especialistas da década de 1930 preconizavam uma meia verdade nas previsões sobre o futuro da guerra. Por volta de 1945, o poderio de uma nação era determinado por sua capacitação de bombardeio estratégico. Mas as invulneráveis aeronaves de elevada altitude não eram armadas com gás venenoso. Eles portavam uma arma de enorme poder destrutivo: a bomba atômica. Sequer sonhada em 1931, esse novo artefato aterrorizante, provar-se-ia devastadoramente mais potente do que o citado gás. Em 1945 uma simples bomba lançada de um avião matou mais de uma centena de milhares de pessoas, e um único país tinha o monopólio desse poder: os Estados Unidos.
No prazo de quatro anos, os soviéticos construíram sua própria bomba atômica, juntando-se aos Estados Unidos como uma das duas superpotências. Essa preeminência teria sido inimaginável um quarto de século antes, quando Stalin e Felix Dzerzhinsky reuniram-se para planejar a reconstrução de uma nação frágil e plena de analfabetos, cambaleando em decorrência da guerra e de sucessivas revoluções. Isso seria concretizado através do sacrifício de milhões de vidas, perdidas durante a fome terrível que atingiu o processo de coletivização e nos campos de batalha encharcados de sangue da Frente Oriental.
Em 1931, um pequeno número de agentes secretos soviéticos infiltraram-se nos Estados Unidos para viver suas vidas nas sombras. Esta é a história de como essa longa missão começou e quão o prestigioso Instituto de Tecnologia de Massachussets se tornou a maior, embora involuntária, escola para os espiões soviéticos — a alma mater de agentes de inteligência mais talentosos e notáveis do que os cinco traidores de Cambridge, Philby, Burgess, Maclean et al. Sem o resultado do trabalho dos espiões — uma quantidade espantosa de segredos científicos e tecnológicos que eles roubaram — é difícil acreditar que a URSS teria prevalecido contra a Alemanha Nazista ou ocupado seu lugar à mesa das potências mundiais.
A corrente de conhecimento obtido pela inteligência contribuiu para o preparo das forças armadas da União Soviética e o apronto de sua base industrial visando ao desencadeamento da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria. Por intermédio das batalhas da Frente Oriental e de suas fábricas à retaguarda das linhas de frente, a URSS foi capaz de moer as antes invencíveis legiões de Hitler. Desafiando todas as expectativas, a União Soviética "atrasada" produziu em massa mais aviões, tanques e armas do que os alemães invasores. O segredo para esmagar os nazistas foi o conhecimento roubado dos americanos.
Em 1942, Stalin estava olhando além da derrota de Hitler e planejando a futura defesa da União Soviética. Ele procurou ultrapassar seus antigos aliados ocidentais no que estes tinham supremacia, a tecnologia. Espalhando sua rede pelos dois lados do Atlântico, na primeira espionagem intercontinental coordenada da história, os espiões de Stalin quebrariam o monopólio dos EUA na produção da bomba atômica e do bombardeiro de alta altitude. Essas duas realizações técnicas surpreendentes foram concluídas em quatro anos, menos da metade do tempo esperado pelos americanos.
A supremacia global dos EUA decorreu de sua liderança em ciência e inovação. Seu sistema educacional era a fábrica de cérebros, no centro da qual estavam suas universidades técnicas. Seu sucesso econômico foi fundado em técnicas incomparáveis de produção em massa de qualidade, na velocidade com que transferia a inovação dos centros de pesquisa para o chão de fábrica e no consumismo em massa. Na década de 1940, as fábricas americanas superaram o mundo em termos de qualidade e quantidade. No entanto, a política de defesa dos EUA dependia da sofisticação tecnológica e superioridade das armas em seu arsenal, não do número de soldados que podiam ser desdobrados no campo de batalha. No final da década de 1930, acreditava-se que essa superioridade era condicionada pela infalível precisão das munições de grande calibre equipadas com equipamento Norden. Em meados da década de 1940, a superioridade era caracterizada pela posse da bomba atômica.
O início da longa missão de ciência e tecnologia (C&T) dos soviéticos nos EUA permaneceu desconhecido por mais de oitenta anos, devido ao desejo dos serviços de segurança russos e norte-americanos de manterem seus segredos. Minhas fontes incluem documentos da era soviética ainda não divulgados que contam a história do maior triunfo dos serviços secretos de Stalin. Além de como eles fizeram isso, este livro revela que a inteligência soviética começou a penetrar na América 'para alcançar e ultrapassar os Estados Unidos' e não para prejudicar seu sistema de governo. Os soviéticos procuravam aprender com cientistas e empresários como montar a produção industrial com a eficácia americana. Para superar os EUA, eles precisavam "combinar a qualidade dos negócios americanos com a atenção alemã aos detalhes, tudo em escala russa".
Nas cinco décadas seguintes, a missão de C&T soviética evoluiria em seus objetivos, intensidade, escala e sucesso, mas a principal tarefa seria atingir e, se fosse o caso, ultrapassar o padrão dos Estados Unidos, 'o país mais avançado em C&T';  e os espiões-cientistas iniciais da primeira operação deveriam conceber o modelo. Os pontos altos da missão foram a obtenção de dados nucleares do Projeto Manhattan e de subsídios para a construção do bombardeiro Tu-4. Os primeiros espiões tiveram requisitos repetidos em 1980. Eram agentes devidamente treinados em inteligência, com o seguinte ‘background’ acadêmico: doutores em ciências, engenheiros qualificados com especialização em energia atômica, rádio eletrônica, aviação, química, radares; para buscar inteligência em "centros de cérebros" tais como: institutos de pesquisa científica, universidades, sociedades científicas'. Esses eram os mesmos alvos identificados pelo primeiro espião Stanislav Shumovsky, em 1931. As habilidades que ele já dispunha e as que ele aprendeu na América — afora ser o líder dos cientistas espiões, ele foi aluno do MIT — formariam a base de um programa inteiro da KGB para treinar os cientistas soviéticos mais brilhantes, para o desempenho de missões nos Estados Unidos.
Esta é a história de vida do notável Stanislav Shumovsky, um homem que mudou a história. Quando jovem, ele serviu como soldado. Contra as probabilidades, ele ajudou a combater as grandes potências do mundo que tentavam estrangular o comunismo no berço. Quando incapaz de lutar[como piloto jovem, sofreu acidente incapacitante], ele usou a ciência e a tecnologia para transformar a União Soviética, de um país com algumas aeronaves importadas, em uma superpotência da aviação e um improvável vencedor na Segunda Guerra Mundial.
Shumovsky foi provavelmente o espião em assuntos de aviação, mais bem-sucedido e audacioso da história soviética. Com o codinome apropriado BLÉRIOT, em homenagem ao lendário aviador francês, ele forneceu à URSS os meios para construir um bombardeiro estratégico moderno, que foi designado para transportar a bomba atômica. Entre seus outros sucessos notáveis, enquanto operava nos Estados Unidos na década de 1930, Shumovsky acompanhou um dos maiores projetistas de aeronaves do mundo, Andrey Tupolev, em visita a dezenas de fabricantes de avião chaves, centros de pesquisa e universidades dos EUA. Ao longo de sua trajetória americana, Shumovsky recrutou, como agentes, uma geração de americanos que trabalhavam no setor de aviação (alguns de sua própria classe no MIT) e fotografou no interior de fábricas ultra secretas de produtos de defesa. Mestre em relações públicas, deu entrevistas para jornais e posou para fotografias, camuflando suas atividades de espionagem durante anos.
Seu modelo para o cientista espião soviético formou a principal inovação na espionagem de C&T. Shumovsky sempre se considerava um engenheiro capaz de discutir aviação, como um igual, com os principais especialistas do mundo na época. Ele convenceu o NKVD [Narodniy Komissariat Vnutrennikh Diel. Em português: Comissariado do Povo para Assuntos Internos ou Ministério do Interior da URSS]  a financiar a educação de vários recrutas americanos, pagando suas anuidades em uma universidade de ponta. Esta é a primeira evidência de investimento da inteligência soviética em indivíduos jovens com potencial de se tornar fontes úteis mais tarde. Shumovsky também garantiu e orientou quatro agentes do NKVD que se matricularam no MIT para aprender as habilidades necessárias para continuar adquirindo segredos tecnológicos. O treinamento permitiu que seus protegidos garantissem o maior prêmio de todos, a bomba atômica. Em 1944, os melhores ativos soviéticos da Operação ENORMOZ (sua penetração no Projeto Manhattan) em ambos os lados do Atlântico haviam sido recrutados ou administrados pelos ex-alunos do Shumovsky no MIT. Dos dezoito agentes de inteligência soviéticos que trabalharam na obtenção dos segredos da bomba atômica, os mais experientes eram graduados em universidades americanas.
Hoje, a fotografia de Shumovsky está merecidamente no Hall da Fama do SVR (Serviço de Inteligência Estrangeira da Rússia). Em Washington e Moscou, os detalhes de sua carreira ainda são oficialmente classificados. Outra fotografia, tirada em 1982, mostra o professor Shumovsky na velhice em casa. Atrás dele, em uma prateleira em um armário de vidro cheio de livros, há uma segunda foto, evidentemente uma lembrança preciosa. É a foto de um Stanislav mais jovem em sua indumentária de formatura no MIT, tirado no verão de 1934, nos gramados do lado de fora do prédio 10. O professor mais velho e descontraído Shumovsky pode, pela primeira vez, talvez dar um sorriso largo em uma fotografia. Ele olha com orgulho para a câmera, sem dúvida lembrando como conseguiu o que o ditador soviético havia lhe ordenado tantos anos antes: obter as informações cruciais necessárias para a sobrevivência de seu país.
Alcançar e ultrapassar a América não é mais um objetivo russo. Outros agora seguem a trilha percorrida pelos soviéticos na década de 1930. Hoje, vender a educação americana no exterior é um grande negócio. Atualmente, mais de um milhão de estudantes estrangeiros estão matriculados em universidades dos Estados Unidos, perfazendo cerca de 5% do total. Desproporcionalmente, cerca de um terço deles faz cursos de ciências, tecnologia da computação, engenharia e matemática (STEM – Science, Technology, Engineering and Mathematics). Um terço dos estudantes estrangeiros são chineses que, de acordo com um relatório de 2017 do New York Times, contribuem com cerca de US $ 11,4 bilhões para a economia dos Estados Unidos. A vantagem para a América é que os estudantes estrangeiros geralmente pagam o preço total por seus estudos, subsidiando os estudantes nacionais. Os graduados das áreas de STEM são previstos para desempenhar um papel fundamental no futuro crescimento econômico dos Estados Unidos. Há uma preocupação de que, com tantas vagas ocupadas por estudantes estrangeiros, não haja graduados de STEM domésticos suficientes para atender à demanda futura de profissionais. Outra é que os graduados chineses e indianos usarão suas novas habilidades para minar a superioridade tecnológica da América. Em 14 de fevereiro de 2018, Christopher Wray, chefe do FBI, disse ao Congresso que ‘agentes de inteligência chineses estão espalhados por universidades dos Estados Unidos, possivelmente para obter informações em áreas como tecnologia. As escolas têm pouca compreensão dos riscos envolvidos.'  Wray alertou que 'o nível de ingenuidade por parte do setor acadêmico sobre isso cria seus próprios problemas ... Eles estão explorando o ambiente muito aberto de pesquisa e desenvolvimento que temos, que todos nós reverenciamos. Mas eles estão tirando vantagem disso.'  Os Estados Unidos continuam presos em um dilema de medo e ganância.
Os livros que se concentram na história da espionagem soviética nos Estados Unidos e seus aliados de língua inglesa geralmente compartilham uma tradição anglo-centrada, caracterizada por uma relutância em adotar novas fontes não inglesas, em particular aquelas que desafiam narrativas estabelecidas. Uma escassez de historiadores de língua russa é apenas parcialmente culpada por esse problema persistente. O estudo da inteligência soviética foi moldado predominantemente pela dependência de algumas fontes primárias ou relatos ocidentais de jornalistas e desertores soviéticos. Pouca importância foi dada ao viés inerente a este material. Por exemplo, os relatos de primeira mão de ex-colaboradores soviéticos que se tornaram informantes como Harry Gold, Elizabeth Bentley e Boris Morros eram inconfiáveis, propensos à satisfação do próprio ego e, portanto, problemáticos. O Projeto Venona da Agência de Segurança Nacional, que decodificou interceptações de telegramas soviéticos, foi considerado não confiável como única fonte de identificação, desde maio de 1950. O próprio FBI reconheceu o quão difícil é identificar os agentes com a confiabilidade requerida. Mesmo quando as fontes soviéticas se tornaram amplamente disponíveis após o colapso da URSS, o novo material foi usado apenas para apoiar narrativas estabelecidas, e os documentos que não se encaixavam foram amplamente ignorados.
Como eu encontrei o novo material é uma outra história. Desde a primeira pista de um protocolo de interrogatório desclassificado da NKVD de 1935, segui uma trilha de evidências. Esse documento sugeria que em 1931 a Inteligência Militar Soviética estava enviando agentes em missões de espionagem ao MIT. Ao verificar essa pepita de informação por meio de registros universitários e documentos públicos, pude descobrir toda a história. Este livro, em primeiro lugar, permite que os novos documentos falem e aborda o assunto da perspectiva dos oficiais de inteligência soviéticos. Essa não é a tradicional caça às bruxas para encontrar traidores mortos há muito tempo que traíram seu país por ideologia ou dinheiro nas décadas de 1930 ou 1940. Pelo contrário, este livro analisa alguns indivíduos cujas vidas foram dedicadas à crença de que estavam melhorando a sociedade. A história pode ter mostrado que sua visão do mundo é idealista, mas, no entanto, esforçou-se muito para garantir que a União Soviética e suas centenas de milhões de pessoas estivessem pelo menos um pouco preparadas para combater o flagelo dos nazistas. Por isso, devemos ser gratos.
Entre as muitas surpresas e revelações deste livro, estão a identificação de vários novos espiões soviéticos em operações anteriormente desconhecidas. As descobertas estabelecem que uma penetração significativa nos EUA começou uma década antes do que muitos acreditavam anteriormente. Além disso, o envolvimento de grandes figuras americanas na espionagem soviética começou muito antes do que foi divulgado anteriormente, com por exemplo Earl Browder e Nathan Silvermaster ativos muitos anos antes do que se pensava anteriormente.
As mulheres desempenham um papel forte e completo nessas operações iniciais de inteligência no âmbito externo. Em uma profissão dominada por homens, essas mulheres não desempenham os papéis tradicionais de apoio com armadilhas femininas, como Mata Hari. Ray (Raisa) Bennett e Gertrude Klivans são jovens revigorantes e modernas que desde cedo agiam em consonância com suas próprias visões de mundo. Temos o privilégio de ouvir suas vozes através de suas próprias palavras. Ambos não eram violetas encolhendo, mas seguiram seus próprios caminhos independentes na vida. Raisa Bennett teve que assumir as responsabilidades de ser um oficial da Inteligência Militar Soviética em uma missão perigosa no exterior, enquanto também era mãe de uma criança pequena. Gertrude Klivans tinha muitas opiniões e muitos homens, enquanto treinava os futuros espiões de topo como ser americano.
De importância histórica é a trajetória do agente de Inteligência Militar Mikhail Cherniavsky. Na época, seu plano de assassinato do ditador soviético atraiu pouca atenção dos serviços de inteligência e da elite política. Somente duas peças de inteligência chegaram ao conhecimento do NKVD e uma foi a revelação de uma fonte em Boston de uma crescente oposição trotskista em Moscou ligada a um movimento revolucionário internacional. Cherniavsky foi o líder de uma conspiração para matar Stalin e substituí-lo por Trotsky. Foram as balas de Cherniavsky que Stalin mencionou em seu discurso aos graduados das Academias do Exército Vermelho realizado no Kremlin em 4 de maio de 1935:
Mas esses camaradas nem sempre se limitavam às críticas e à resistência passiva. Eles ameaçaram levantar uma revolta no Partido contra o Comitê Central. Mais, eles ameaçaram alguns de nós com balas. Evidentemente, eles acreditavam que nos assustariam e nos obrigariam a sair da estrada leninista.
Finalmente, por meio de minha pesquisa para este livro, fiquei encantada por descansar um fantasma. Descobri a carreira de inteligência e vida de Ray Bennett, a primeira americana a servir como agente de Inteligência Militar soviética nos Estados Unidos. Oitenta anos atrás, Ray desapareceu da vida de sua filha. Joy Bennett correu para o quarto de Ray, como fazia todas as manhãs, para descobrir que sua mãe havia desaparecido. Em 2017, eu me tornei capaz de esclarecer para Joy a carreira de sua mãe e a razão por trás de sua prisão e eventual desaparecimento. Joy gentilmente descreveu meu trabalho como ‘sagrado’.
Durante o período da história que este livro cobre, as organizações dos serviços secretos russos mudaram seus nomes muitas vezes, e por uma questão de simplicidade (e apesar disso ser uma imprecisão histórica), eu os chamei de NKVD ou Inteligência Militar ao longo do livro. Para evitar confundir ainda mais o leitor, os nomes russos são escritos usando 'y' em lugar de 'i'; portanto, por exemplo, 'Andrey' não 'Andrei', e eu usei 'Y' no início de certos nomes, como 'Yershov' e não 'Ershov'.
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