Um cientista político que conheci nos idos de 2018 informou-me que fora convidado para fazer uma palestra na OAB de Brasília sobre os militares brasileiros.
Então, ele pediu minha opinião sobre o tema, tendo como pano de fundo o artigo “Os militares na política”, extraído de sua dissertação de mestrado, que entre outros aspectos trata de:
- citação de “A longa noite hobbesiana”, do Dr. Oliveiros Ferreira, atinente ao protagonismo militar na política brasileira; e
- “Os anos de chumbo”, do interlocutor amigo — relativo à contrarrevolução de 1964.
Fiz um esforço para posicionar-me de forma adequada. Minha resposta é apresentada a seguir.
Prezado amigo ...
Em relação ao texto “Os militares na política”, não me sinto suficientemente qualificado para expressar juízo que agregue valor aos fatos e visões nele expressos. Verdadeiramente, não sei como contribuir para o trabalho do distinto amigo.
Permita-me então, como aprendiz das coisas humanas, formular onze indagações.
Conheci pessoalmente o Dr. Oliveiros Ferreira. Assisti a palestras e li livro de sua lavra. Sobre “ ‘A longa noite hobbesisana’ ... o período no qual as Forças Armadas protagonizaram forte influência na condução do processo político brasileiro” — se ele ainda estivesse entre nós e fosse possível encontrá-lo, indagar-lhe-ia:
1) Essa noite durou mesmo 164 anos (de 1821 a 1985)?
2) O senhor não está meio que conectado a 1964 e, nesse sentido, não estaria fazendo alguma confusão?
3) Um intelectual do seu porte atribuir a todos os integrantes da elite do Império e da primeira metade da República a desqualificação (inferência óbvia!) para lidar com os negócios sob suas respectivas responsabilidades não seria um exagero e um desrespeito à memória de tantos cidadãos ilustres?
4) O que Hobbes preconizou em “Leviathan, or The Matter, Form and Power of a Commonwealth Ecclesiastical and Civil”, em 1651, não estaria mais em consonância com o que seus herdeiros, os patronos do nacional-socialismo e do socialismo real, empreenderam?
5) Na citada obra, Hobbes inicia o capítulo XXI asseverando que “O significado da palavra liberdade, em seu sentido próprio, é a ausência de oposição (entendendo por oposição os impedimentos externos ao movimento) e esse termo se aplica tanto às criaturas racionais como às irracionais e inanimadas.” (Que se releve as impropriedades de uma tradução livre e não tão responsável).
Então, agora a pergunta: o senhor não acha que Hobbes, tendo sido um mau matemático — lembremos que sua atitude e influência contribuíram para atrasar a evolução dessa disciplina em seu tempo; que o digam Newton e Leibnitz, em relação a sua oposição ao desenvolvimento do cálculo infinitesimal — enveredou para a intranquilidade e, por isso, cuidou de preconizar o autoritarismo que tantos males seus adeptos Goebels, Beria e cupinchas causaram?
6) A afirmação “Nesse século e meio, foram pelo menos 15 as intervenções políticas dos militares em momentos decisivos da história brasileira” o conduz a propugnar que a lamentável indigência foi dos militares (incapazes de lidar com as questões de governo) ou foi — a indigência, enfatizo — das elites políticas e da intelectualidade, por déficit de estatura para estar à frente de um país com as dimensões do Brasil?
As indagações subsequentes e que me permitiriam uma melhor compreensão de nossa história dizem respeito a “Os anos de chumbo”.
7) A expressão “violenta repressão militar” não deveria ser contextualizada para esclarecer que ela foi dirigida contra aqueles que defendiam o ideário e os empreendimentos do sistema que mais assassinatos causou na história da humanidade (mortes com um estado de estupidez tão impressionante que ultrapassa o que se possa imaginar, isto é, mais de 100 milhões de pessoas, em cenários de inexcedível barbarismo)?
8) Não seria o caso de contextualizar para evitar que os militares brasileiros — na atualidade a amostra de universo e instituição mais respeitados do Brasil — sejam estigmatizados de forma indevida, porque em dissonância com fatos, eventos e acontecimentos (vejam que não me refiro a opinião, a diferenças na forma de pensar)?
9) Não seria o caso de acrescentar, com precisão, correção e disciplina intelectual, a circunstância de que não há precedente na história do ‘homo sapiens’, algum meio de combater a estupidez, a violência e a doença do desapego à liberdade, sem a contrapartida da violência (vale dizer, quem promete chumbo, chumbo quer! Como testemunho, convém lembrar que os alemães derrubados na Itália em 1945, por brasileiros, chega à ordem de grandeza do milhar; isso para não falar das quantidades de inimigos derrubadas com muita violência (inclusive com bomba atômica) por americanos, britânicos e franceses)?
10) No que concerne ao “sentimento de desprezo que a caserna nutria pelos civis” e o “desprezo atávico dos militares pelos políticos”, será que isso se alterou no século XXI?
11) Será que os militares do ano de 2020 nutrem um sentimento oposto a “desprezo simples” ou a “desprezo atávico” por políticos da estirpe de Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Luís Lula, Rodrigo Maia, José Dirceu, Dilma Roubbef, Gedel Lima, Alcolumbre, Dória, Witzel e dos mais de 150 deputados e mais de 35 senadores envolvidos em acusação e processo judicial por corrupção e outros desvios doentios?
Caro amigo ...,
Eu tenho enorme dificuldade para responder às perguntas que formulei. Tentei esticar ao máximo o elástico da provocação. Sei que há uma boa dose de controvérsia nos possíveis temas levantados.
Entretanto, pensar sobre essas controvérsias é conveniente para que o palestrante possa, com honestidade e ética, fazer face às elevadas responsabilidades que lhe estão atribuídas ao aceitar o convite para influenciar, impactar e contribuir para que seus interlocutores saiam melhor qualificados do que quando entraram no ambiente de interação com o senhor.
Augurando saúde e alegria,
RS
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