sexta-feira, 22 de março de 2024

2º. Encontro de Escritores - 2

"O lavrador perspicaz conhece o caminho do arado."
Homenagem a Oscar Barboza Souto, antigo lavrador, garimpeiro e comerciante.
In Memoriam.

Conforme já fora mencionado em matéria anterior, o amigo Francisco Gomes de Amorim concebeu um novo encontro fictício de escritores no incomparável Real Gabinete de Leitura, na rua Luís de Camões, no Rio de Janeiro — uma das mais belas bibliotecas do mundo ou até mesmo a mais bela de todas.

Os detalhes desse evento foram relatados no opúsculo “Novo Encontro de Escritores”Já publiquei neste Blog o texto que tive a honra e o privilégio de formular na condição de “testemunha” convidada pelo notável autor e amigo.

Desta feita, este texto tem o objetivo de descrever as interações resultantes do acréscimo na reunião fictícia ocorrida no Real Gabinete de três escritores estrangeiro — são eles: Alexander Soljenitsen, Hannah Arendt e Jung Chang. Enfatizo que, como Chang, a co-biógrafa de Mao Tse Tung, ainda está viva, utilizei o artifício de começar meus garranchos com um sonho; e nele a Chang faleceu — isso terá consequências que exporei em oportunidade futura.

A seguir, é apresentada a mensagem dirigida ao Amorim, tendo em anexo a caracterização da atitude provocativa de inclusão dos três escritores estrangeiros mencionados, no encontro, com o título "Missão impossível".

 

 

Caro amigo Amorim,

 

Faço observações adicionais àquelas que proferi enquanto “testemunha”.

Com enorme alegria e enlevo, li seu relato imperdível do encontro.

E o que é mais relevante: a criatividade constatada no texto nos leva a imaginar coisas; impõe-nos o devaneio; impele-nos a usar a faculdade de pensar, algo que não raro descuramos.

Fiz um esforço para imaginar uma troica de estrangeiros invadindo o ambiente e participando do evento. Claro, o texto resultante, envio-o apenas para sua curiosidade.

Desde já, indago se posso divulgar para alguns amigos e para pessoas da família.

 

Com agradecimento, segue um fraterno abraço,

Aléssio

 

 

Missão impossível

 

Eu tive um sonho. Sonhei que Jung Chang, coautora de “Mao – A História Desconhecida”, falecera. 

Terrível! Sou obrigado a lembrar que o poeta John Donne (que viveu de 1572 a 1631), atormentado por seus dramas familiares, afirmara: “a morte de cada homem me diminui, porque sou parte da humanidade. Portanto, nunca procure saber por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”; ou interpretando de forma simples e modesta: “quando alguém se vai, um pouco de cada um de nós vai junto”. Então, querermos, mesmo inconscientemente que alguém parta, significa que podemos estar querendo que uma parte de nós acompanhe quem supostamente partiria.

Mas o sonho foi longo e complexo. Após seu passamento, Chang convencera Hannah Arendt (autora de “Julgamento de Eichmann”) e Alfred Soljenitsyn (autor de “O Arquipélago Gulag”) a participarem do “Novo Encontro de Escritores”, a ser realizado no Rio de Janeiro. 

Mas que sonho! Previamente, Chang se reunira com Arendt e Soljenitsyn para os acertos primevos, e para estabelecer o objetivo de dialogar com os demais escritores — gênios da literatura que deixaram extraordinária herança em língua portuguesa — sobre o autoritarismo vigente no Brasil e os infaustas influências nas demais nações herdeiras de Camões.

Chegado o dia convencionado, Chang se adiantou para receber seus dois parceiros. Capengando, mas com a fronte voltada para a vanguarda, Arendt e Soljenitsyn chegaram quase juntos, foram recepcionados por Chang e se sentaram em cadeiras confortáveis, diante de uma mesa redonda que girava, permitindo que se servissem alternadamente de vodca, baijiu e stainhaeger. O excelente vinho brasileiro foi recusado.

Chang deu-lhes as boas-vindas e com objetividade relembrou os objetivos da participação dos três estrangeiros — enfatize-se: avaliar o autoritarismo que assola e oprime a sociedade brasileira, com reflexos não apenas nas nações herdeiras de Camões, mas em boa parcela das demais nações do globo terrestre.

Assim, no Novo Encontro de Escritores, começou uma reunião paralela entre os estrangeiros que dividiram uma das mesas redondas do Real Gabinete de Leitura. E cada um deles, em sequência, dirigiu-se a quem estava sentado à direita, propondo-lhe questionamentos relevantes.

Tão acostumado a ambientes estranhos e adversos, Soljenitsyn dirigiu-se a Arendt, enfrentou-a com veemência: 

“Minha cara Hannah, em seu magnífico ensaio filosófico por ocasião do julgamento no Tribunal de Israel, você declarou algo parecido com: 

<Eichmann não era nenhum Iago, nenhum Macbeth, e nada estaria mais distante de sua mente do que a determinação de Ricardo III de “se provar um vilão”. A não ser por sua extraordinária aplicação em obter progressos pessoais, ele não tinha nenhuma motivação. E essa aplicação em si não era de forma alguma criminosa; ele certamente nunca teria matado seu superior para ficar com seu posto. Para falarmos em termos coloquiais, ele simplesmente nunca percebeu o que estava fazendo.>

Estimada parceira, será que você não estava antecipando o posicionamento dos políticos e demais cidadãos brasileiros socialistas tupiniquins da atualidade? Será que a ‘banalidade do mal’ não é uma característica da doença que aflige o cérebro dessa turma irresponsável e nefasta que tomou o poder no Brasil?”

A notável filósofa judia balançou a cabeça, expressando sua dúvida e, voltando-se para Chang, declarou:

“Estimada Chang, estamos tratando de assuntos diferentes a despeito da motivação hedionda encontrada em qualquer socialismo. Veja bem, em sua magistral obra sobre o maior assassino da humanidade, você aponta o seguinte testemunho sobre o Grande Expurgo de Mao, associado com a brutalização contra cidadãos, incluindo os assassinatos a sangue frio ou de fome:

<A fim de garantir a total disponibilidade dos estudantes para levar adiante seus desejos, Mao mandou encerrar as aulas a partir de 13 de junho. ‘Agora as aulas estão interrompidas’, disse ele, e os jovens ‘ganham alimento. Com a comida, eles têm energia e querem fazer tumulto. O que podemos esperar deles senão bagunça?’ A violência irrompeu dentro de poucos dias. Em 18 de junho muitos professores e funcionários da Universidade de Pequim foram arrastados diante da multidão e maltratados; seus rostos foram pintados de preto e puseram chapéus de burros em suas cabeças. Forçaram-nos a ajoelhar-se, alguns foram espancados e as mulheres foram sexualmente molestadas. Episódios semelhantes se repetiram em toda a China, provocando uma cascata de suicídios.>

Sei não! Sei não, nobre Chang! Quando formulei a ‘banalidade do mal’ sofri intensas críticas de todas as direções. Agora, essa questão dos socialistas tupiniquins, ... entendo que difere da atitude disciplinada de um modesto funcionário, que mediante ordem, se encarregava de selecionar nomes de cidadãos para o cadafalso. Entendo que não apenas sofrerei críticas, mas me afundarei no abismo da estupidez tão do agrado dessa turma que não sabe para onde vai e quer levar junto todos os demais.”

Chang entendeu que precisava desafiar Soljenitsyn, o primeiro manifestante da mesa. Então, asseverou:

“Entendo que o camarada Soljenitsyn poderá motivar nossa capacidade de pensar. E a razão é simples. Conquanto os tumultuosos anos vividos no implacável frio siberiano o tenham mergulhado em vários poços de incerteza, o testemunho de 227 sobreviventes dos campos do Gulag dá-lhe condições para clarificar a questão proposta, até porque uma simples declaração, dentre uma profusão de tantas outras, é de uma riqueza imensa, bastando relembrar seu pungente e avassalador relato:

<... uma coletânea de relatos de condenados políticos do sistema prisional soviético, se transforma numa fonte reveladora do universo repressivo comunista e introduz um prenúncio da ruína do iceberg soviético que produzia monstros como o coronel Eliazov, famoso por quebrar a coluna de seus interrogados, e o comissário Eziépov que matou um oficial da força aérea apenas para dormir com sua mulher por uma única noite.>

Será que a ‘banalidade do mal’ que envolve os socialistas tupiniquins impede o exercício de sua faculdade de pensar e eles continuam achando que o socialismo é solução e o Gulag que você bem definiu é a ‘banalidade do bem’ que eles pregam?”

 

Como cada um tinha desafiado quem estava sentado à sua direita, já que dentre os três presentes, ninguém se voltava para a esquerda — opção ou vocação? —, Chang decidiu encerrar a reunião, naquela mesa, pediu a palavra e mencionou para os demais vinte e um notáveis que o problema do socialismo tupiniquim é nefasto, hediondo e incurável, já que é baseado, motivado e alicerçado nos maiores traumas da Humanidade, causados pela prevalência do socialismo — o nacional-socialismo germânico, o socialismo real soviético o socialismo real chinês. E nem mesmo três dentre os maiores especialistas em socialismo da História, Arendt, Soljenitsyn e ela própria, conseguiram um diagnóstico sobre essa turma que se apoderou do poder num dos grandes países do mundo.

Sonho ou pesadelo? Finalmente, acordei e a tensão da tentativa de compreender o socialismo tupiniquim arrefeceu. Até mesmo em sonho esse desiderato é impossível.

 

 

 

 

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