quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Falha do serviço de Inteligência de Israel

Embora não tenha autorização, traduzo e transcrevo o artigo “As militares mulheres que alertaram sobre um ataque pendente do Hamas – e foram ignoradas”, de 20/11/2023, de Yaniv Kubovich, publicado no jornal israelense Haaretz. 

E por que ajo em discordância de prescrições legais consagradas?

Pela simples razão, de que se trata do dramático testemunho de uma das maiores falhas de serviço de Inteligência ao longo da História, com a agravante de que o serviço que falhou foi o serviço de Inteligência de Israel que é considerado um dos mais qualificados do mundo.

Para cumprir as leis e sobretudo submeter-me aos ditames da ética, não disponho de estrutura e de interações requeridas. Então, o descumprimento de estatutos universais é feito em nome de objetivos maiores: o conhecimento das falhas que ocasionaram a maior tragédia do povo e da Nação judaica desde o Holocausto, que foi perpetrado pelo nazismo nas décadas de 1930 e 1940 na Alemanha.

Se tiver que responder pela transgressão ou pelo crime de publicar em meu blog artigo de terceiro, sem a devida autorização, estarei despido de constrangimento e vivenciando a tranquilidade daqueles que porfiam para que o mundo seja um átimo melhor para todos os entes humanos.

O artigo versa sobre as informações que as observadoras das Forças de Defesa de Israel, localizadas nos postos de observação na fronteira israelense com a Faixa de Gaza, passaram para os escalões superiores e não receberam a devida atenção.

Essas informações evidenciavam, de forma inequívoca, o planejamento e o treinamento para a invasão de Israel pelas forças dos terroristas do Hamas — o que ocorreu no dia 7 de outubro de 2023, com o assassinato de cerca de 1400 israelenses, aí incluídos 340 militares, bem como mulheres, idosos e crianças (sendo que destas, dezenas foram decapitadas).

Antes de passar ao artigo convém refletir e questionar se as informações foram ignoradas pelo serviço de Inteligência e (ou) pelas Forças de Defesa de Israel, de forma proposital, para que se chegasse imediatamente à guerra e à possível aniquilação dos terroristas do Hamas — algo à primeira vista absurdo, mas diante de um absurdo inominável, não caberia senão absurdo compatível.

 

 

As militares mulheres que alertaram sobre um ataque pendente do Hamas – e foram ignoradas

 

Durante o ano passado, os observadores das Forças de Defesa de Israel situados na fronteira de Gaza, todos militares do sexo feminino, alertaram que algo incomum estava acontecendo. Aquelas que sobreviveram ao massacre de 7 de outubro estão convencidas de que se tivessem sido os homens a soar o alarme, as coisas hoje seriam diferentes.

 

Yaniv Kubovich – Jornal Haaretz

20.Nov.2023, 7:47 pm

 

TRADUÇÃO: ARS

 

Três dias depois do massacre de 7 de outubro no sul de Israel, Mai – uma observadora que serve na Divisão de Gaza das Forças de Defesa de Israel e sobreviveu ao ataque assassino do Hamas à sua base militar perto da fronteira – recebeu um telefonema em casa.

Na linha estava alguém da divisão de recursos humanos do Exército. “Se você não retornar ao seu posto”, ela foi advertida, “isso seria absenteísmo durante a guerra e significaria até 10 anos de prisão”. Mensagens idênticas também foram entregues a colegas da base militar que, tal como ela no Sábado Negro, tinham sido trancadas numa sala de operações “armadas” apenas com os seus celulares enquanto os terroristas do Hamas enlouqueciam.

“Tentamos explicar que não podemos voltar atrás”, conta Mai. “Perdemos nossas camaradas. Passamos horas escondidos, entre cadáveres, naquela sala de operações.”


Segundo Mai (um pseudônimo, tal como os nomes de todas as pessoas entrevistadas para esta história), algumas das jovens que sobreviveram ao ataque estão atualmente sendo tratadas em instituições de saúde mental, enquanto outras ainda têm demasiado medo de procurar tratamento.

“Até agora os comandantes não nos visitaram; ninguém do Exército veio falar conosco e perguntar como estamos nos sentindo. Eles estão simplesmente ignorando nossa existência.” Talvez deva ser acrescentado um esclarecimento a esta última afirmação: aparentemente estão a ignorar a sua existência como seres humanos e não como parte das Forças Armadas.

 

(O trabalho de observadores, conhecido como “tatzpitanit” em hebraico, envolve olhar para uma tela por horas a fio, estudando câmeras de vigilância em busca de atividades indesejáveis. Hoje em dia, apenas militares mulheres realizam a tarefa.)

 


As observadoras decidiram ficar em casa e nada mais aconteceu até a semana passada – quando todas receberam cartas idênticas informando que se não retornassem aos seus postos até esta quarta-feira, haveria graves repercussões.

 

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“Eles me disseram: ‘Você precisa voltar, sua posição está pronta’ ”, diz outra observadora, Shir. “Ninguém se importa como estou ou se estou apta para fazer isso – o principal [para eles] é que eu retorne ao meu turno de nove horas assistindo telas o dia todo.”

Shir decidiu que apresentará um relatório no quartel – mas não por causa das ameaças e intimidação.

“É importante deixar claro que estamos retornando apenas pelo bem dos nossos amigos que foram assassinados ou sequestrados”, diz ela, “e não por todos que nos abandonaram lá”.

De alguma forma, Shir e suas colegas não estão surpresas com a atitude que encontraram; apenas talvez um pouco nervosa com sua intensidade. Durante os anos de serviço militar, dizem que se habituaram ao fato de “não serem levadas em conta”. Nem foi dada qualquer atenção às repetidas advertências que levantaram antes da infiltração do Hamas no Sábado Negro. Avisos que, ao que parece, entravam por um fone de ouvido da IDF e saíam pelo outro.

Estes incluíram relatórios sobre os preparativos do Hamas perto da cerca da fronteira, a sua atividade de drones nos últimos meses, os seus esforços para desligar as câmaras, o uso intensivo de vans e motocicletas, e até mesmo ensaios para o bombardeamento de tanques.

 


As observadoras acreditam que o Hamas estava, na verdade, sendo bastante negligente: não tentou esconder nada e as suas ações foram mostradas abertamente. Mas durante todo este período, dizem que oficiais superiores da Divisão de Gaza e do Comando Sul das IDF recusaram-se a ouvir os seus avisos. Elas acreditam que isso resultou em parte da arrogância, mas também do chauvinismo masculino.

Os observadores são exclusivamente “mulheres jovens e mulheres comandantes jovens”, explica uma delas. “Não há dúvida de que se os homens estivessem sentados diante dessas telas, as coisas pareceriam diferentes.”

 

‘Diga a todos que os amamos’

 

De certa forma, as horas que antecederam a manhã de 7 de outubro foram bastante normais. Noga, uma observadora estacionada na unidade de inteligência das IDF em Kissufim, perto da fronteira de Gaza, avistou um homem desconhecido e de aparência suspeita parado em frente a um dos portões erguidos ao longo da fronteira da Faixa de Gaza.

Seu relatório chegou ao tenente-coronel Meir Ohayon, comandante do 51º Batalhão da Brigada Golani, que às 3 da manhã, dirigiu-se ao local e, após avistar o homem, disparou gás lacrimogêneo contra ele. O suspeito voltou e dirigiu-se a um posto de observação do Hamas a cerca de 300 metros (quase 1.000 pés) da cerca, que é a distância a que os palestinos podem permanecer. A observadora constatou várias outras pessoas no mesmo local e lhe pareceu que ali estava sendo realizado um ‘briefing’.


Tudo o que foi mencionado acima parecia incomum e perturbador para ela, então ela compartilhou seus sentimentos com as outras observadoras, bem como com o comandante de plantão. Porém, ao final de uma discussão que durou cerca de um minuto na sala de operações e em consulta com a divisão, foi decidido seguir na normalidade.

“Lamento ter que acordá-lo a esta hora”, desculpou-se a observadora ao tenente-coronel Ohayon, “mas ainda acho que há algo estranho aqui”.

Ohayon não se perturbou e respondeu que é sempre melhor estar atenta para evitar surpresas. Poucas horas depois, ficou claro que essa preocupação da observadora não impediu a surpresa.

Essa foi apenas a peça final do quebra-cabeça. Em retrospectiva, depois de compreender plenamente a dimensão do desastre e de ter perdido dezenas de amigos que foram mortos ou raptados pelo Hamas, a enorme escala da desconexão tornou-se clara para a observadora.

Enquanto ela tentava entender quem era a figura suspeita e o que estava fazendo, as IDF e o serviço de segurança Shin Bet já haviam mantido discussões sobre um aviso relativo à infiltração terrorista. A situação foi suficientemente grave para que altos integrantes das forças de defesa decidissem (na sexta-feira à noite) aumentar a presença de forças especiais no sul, enviando uma equipe de especialistas treinada para lidar com esquadrões terroristas.

Outra equipe da unidade operacional Shin Bet e uma força da unidade de comando também foram colocadas em alerta. Uma equipe de elite das IDF de Sayeret Matkal também foi enviada para a área. No entanto, ninguém no Comando Sul ou na sua Divisão de Gaza se preocupou em repassar essas informações para as dezenas de jovens mulheres que serviam como observadoras nas bases militares de Kissufim e Nahal Oz. Isto nem sequer mudou às 4 da manhã, quando foi decidido colocar as próprias comunidades fronteiriças de Gaza em alerta, por medo de uma possível infiltração.


“Se soubéssemos deste aviso, todo este desastre teria parecido diferente”, disse Yaara ao Haaretz.“Ninguém nos disse que havia um nível de alerta tão alto.”

De acordo com Yaara, três horas, ou mesmo duas horas, teriam dado às jovens observadoras tempo para se prepararem. “Mas ninguém pensou em nos contar. As IDF nos deixaram como alvos fáceis em um campo de tiro. Os soldados pelo menos tinham armas e morreram como heróis. As observadoras que foram abandonadas pelo Exército foram simplesmente massacradas, sem qualquer oportunidade de se defenderem.”

Por volta das 6h30, Noga ainda encontrou tempo para relatar sobre o protocolo de “infiltração” para comunidades e postos militares, ao mesmo tempo que ouvia os tiros e gritos dos terroristas fora do centro de comando onde estava estacionada.

No grupo de WhatsApp das observadoras, amigas de Nahal Oz já relatavam que os terroristas estavam por toda parte, que pessoas haviam sido mortas e sequestradas e que não havia para onde fugir. Às 7h17, foi recebida a última mensagem do grupo, assinada por observadoras de Nahal Oz: “Diga a todos que os amamos e obrigado por tudo”.

 

Atitude desdenhosa

 

As palavras críticas das observadoras sobre seus superiores não são uma novidade. Na verdade, o Haaretz publicou um relatório de investigação no ano passado centrando-se na atitude desdenhosa em relação a elas por parte dos seus comandantes. Naquela ocasião, o correspondente do Haaretz falou com observadoras de postos israelenses, incluindo os da Divisão de Gaza.

 

Uma das questões que levantaram foi que a sua voz simplesmente não estava sendo ouvida e que a sua opinião profissional não estava recebendo a devida importância. Parece que qualquer comissão de inquérito que estude os acontecimentos de 7 de outubro terá de começar com os testemunhos das observadoras sobreviventes.


Eles podem identificar incidentes aparentemente cruciais que remontam a meses. Por exemplo, Talia, que serviu como observadora na Divisão de Gaza durante cerca de 18 meses e é, portanto, considerada uma espécie de veterana, conta: “Um mês antes da guerra, eu estava sentada no centro de comando em Kissufim e por volta das 7h00, dezenas de carros e vans chegaram à área pela qual sou responsável, perto de uma das torres de observação do Hamas. Depois de alguns minutos, um carro de luxo parou ao lado deles – o tipo de carro que poucas pessoas em Gaza têm, então definitivamente era o Hamas.”

“Não reconheci todos eles, mas ficou claro para mim que esses homens eram da força Nukhba [forças especiais do Hamas], porque alguns deles usavam máscaras de esqui no rosto para não serem identificados. Saíram de lá para um briefing que durou muito tempo, 30 a 40 minutos, com binóculos, apontando para o lado israelense.”

Talia diz que queria tentar identificar os homens e ver o que havia em seus veículos – então ela apontou as câmeras para um dos idosos que estavam ali e deu um zoom.

“Ele gesticulou para mim, balançando o dedo – 'nu, nu, nu' ”, ela conta, admitindo seu choque porque a câmera estava localizada em um poste alto, a uma grande distância de onde o grupo estava, mas o indivíduo observado sabia exatamente onde era.

Nesse momento, ela chamou sua comandante. “Eu disse a ela que eles podem me ver, que ele está falando comigo pela câmera”, lembra ela. “Ela também viu isso e não sabia como reagir.”

Depois que os habitantes de Gaza partiram, Talia diz que recebeu um relatório de um posto de observação mais ao norte de que o mesmo grupo havia retornado e estava parando em diferentes pontos ao longo da Faixa de Gaza.

Para Talia e os outras observadoras de serviço naquele dia, isto parecia um briefing antes de uma operação contra Israel – e os prováveis invasores agiram em concordância com isso.


“Enfatizamos o evento, informamos que era incomum e que podiam nos ver”, lembra ela.“Relatamos que se tratava de um briefing de altos funcionários [do Hamas] que não conseguimos reconhecer. Mas até hoje não está claro o que [as IDF] fizeram com essa informação.”

Ela diz que suas comandantes também tentaram passar essa informação para a cadeia de comando. No entanto, como oficiais de patente relativamente baixa, estas mulheres “estão tão indefesas como nós perante os comandantes superiores – e certamente perante a divisão e o comando regional”, diz Talia. “Ninguém realmente presta atenção em nós. Para eles, é ‘sentar diante das telas’ e pronto. Eles diriam: ‘Vocês são nossos olhos, não a cabeça que precisa tomar decisões sobre as informações”.

Quando o ataque do Hamas começou, em 7 de outubro, e depois de terem chegado mensagens da base de Nahal Oz, Talia enviou uma mensagem à mesma comandante, perguntando se ela se lembrava do acontecimento anterior. “Ela respondeu que não tinha dúvidas de que eram instruções para o ataque”, relata. “Ao mesmo tempo, estamos vendo vídeos dos nossos amigos sendo levados para Gaza, indefesos.”

 

Cada pedra, cada veículo

 

Dois a três meses — é o tempo que leva para uma nova observadora conhecer o seu setor “melhor do que qualquer outra pessoa nas IDF”, diz Talia. “No meu setor, conheço cada pedra, cada veículo, pastor, campo de treinamento do Hamas, trabalhadores, observadores de pássaros, trilhas e postos avançados.” Nas suas palavras, uma observadora veterana não precisa de “8200 para saber imediatamente se o seu sector está a funcionar de forma anormal”, uma referência à lendária unidade de inteligência.

É trabalho árduo, muitas vezes de Sísifo. O turno de uma observadora dura nove horas, durante as quais ela fica sentada em frente a uma tela tentando monitorar qualquer coisa que pareça incomum, mesmo um ligeiro desvio da normalidade. Qualquer evento desse tipo deve ser imediatamente registrado em um relatório operacional, que é enviado às comandantes do posto e, de lá, aos escritórios de inteligência das divisões e centros de comando relevantes.


O que acontece na prática com a informação que acabaram de transmitir? As observadoras estão achando difícil responder a essa pergunta.

Este também foi o caso quando os drones do Hamas começaram a voar regularmente no seu setor.

“Nos últimos meses, eles começaram a operar drones todos os dias, às vezes, duas vezes por dia, chegando muito perto da fronteira”, diz outra observadora, Ilana. “Até 300 metros da cerca – às vezes, menos que isso. Um mês e meio antes da guerra, vimos que num dos campos de treinamento do Hamas tinham construído uma réplica exata de um posto de observação armado, tal como os que temos. Eles começaram a treinar lá com drones, para atingir o posto de observação.”

Ilana conta como eles repassaram essas informações conforme o protocolo, mas foram além: “Gritamos com nossos comandantes que eles tinham que nos levar mais a sério, que algo ruim está acontecendo aqui. Entendemos que o comportamento em campo era muito estranho, que basicamente estavam treinando para um ataque contra nós. Até agora ninguém veio nos contar o que foi feito com essa informação.”

E então, no Sábado Negro, quando viram os drones explodindo seus postos de observação um após o outro, as observadoras sabiam o que estava acontecendo. “Sabíamos desde o momento em que o ataque começou: era exatamente isso que estava acontecendo no último mês e meio de treinamento”, diz Ilana.

Houve outros sinais preliminares também, dizem as observadoras — estão em relatórios que elas escreveram e enviaram, mas cujo paradeiro é desconhecido.

“Eles nunca divulgaram o que aconteceu com as informações que passávamos”, diz outra observadora, Adi. “Frequentemente, informamos que poderia haver uma infiltração terrorista, que isso poderia acontecer.” É claro que as IDF precisam estar preparadas para tal incidente, mas aparentemente ninguém considerou qualquer ameaça concreta – não importando quantos eventos concretos as observadoras tenham relatado.

“No ano passado, eles começaram a retirar pedaços de ferro da cerca”, diz Adi, citando um exemplo do que estava escrito em outro relatório que pode estar enterrado em alguma gaveta em algum lugar. E há mais.

“No meu setor, eles construíram um modelo preciso de um tanque Merkava IV e treinaram nele o tempo todo”, diz outra observadora da Divisão de Gaza. “Eles treinaram como acertar um tanque com um RPG, onde exatamente acertá-lo e então, diante de nossos olhos, treinaram como capturar a tripulação do tanque.”

Ela diz que as observadoras tentaram alertar que esses exercícios de treinamento estavam, na verdade, aumentando a intensidade, “que havia mais pessoas participando e que estavam sendo realizados com unidades adicionais do Hamas vindas de outras áreas”.

Eles também notaram que vans e motocicletas eram frequentemente utilizadas no treinamento. E quando os protestos começaram a ocorrer perto da fronteira [nos meses anteriores ao ataque], observaram que “há agentes do Hamas que examinam constantemente os locais onde somos menos eficazes com as câmaras. Eles realmente planejaram tudo nos mínimos detalhes. Qualquer um que diga hoje que era inevitável ou que era impossível saber – isso é mentira.”

Nas palavras dela: “Eles abandonaram nossos amigos para morrer porque ninguém queria nos ouvir. Está abaixo da sua dignidade ouvir um sargento – que há dois anos olha para a mesma tela e conhece cada pedra, cada grão de areia – dizer-lhes algo contrário ao que os oficiais superiores da inteligência lhes dizem. Quem sou eu, uma mulherzinha, diante de um homem com patente de major ou tenente-coronel, para quem todos ficam atentos quando ele entra na sala?”

 

Eles nos estudaram em profundidade’

 

Quarenta combatentes do 13º Batalhão da Brigada Golani, alguns rastreadores beduínos e três mulheres combatentes do corpo de artilharia que estavam de prontidão: esta era toda a força em Nahal Oz na manhã de sábado, 7 de outubro, enfrentando centenas de terroristas – uma parcela significativa de os cerca de 3.000 que se infiltraram com vans, carros e motocicletas vindos do mar, da terra e do ar. Os soldados não tiveram chance.

“Eles sabiam muito mais sobre nós do que pensávamos”, diz outra observadora, Liat. “Hoje sei, e minhas amigas também têm certeza, que nos estudaram a fundo. Não apenas de onde estávamos sentadas e observando. Eles fizeram um trabalho insano.”

Uma observadora que estava de plantão num dos postos de observação naquele dia disse: “Havia muitos sinais de alerta ao longo do tempo. O Hamas não planejou e se preparou de forma secreta. Acontece que ninguém pensou em aceitar a opinião de algumas observadoras quando o pessoal da inteligência pensava de forma completamente diferente.”

Em Abril, Smadar sentou-se no posto de observação em Kissufim e notou algo novo num dos campos de treinamento do Hamas. “Eles construíram um modelo preciso da área fronteiriça”, diz ela. “E nele treinaram o procedimento para romper a cerca. Ao contrário do que pensavam as IDF, o treinamento era para infiltração em céu aberto, não em túneis. Com o passar do tempo, o treinamento deles tornou-se mais intensivo.”

Cerca de um mês e meio antes do ataque, esse treinamento aparentemente mudou de direção.

“Começamos a vê-los se distanciando 300 metros da cerca, e seus instrutores ficaram com cronômetros e mediam quanto tempo levavam para correr até a cerca, alcançá-la e retornar às suas posições. Sabíamos que havia algo [acontecendo]”, diz Liat. Segundo ela, embora também ocorressem distúrbios perto da cerca, “as forças israelenses não faziam praticamente nada – até os tiros de alerta pararam. Combatentes israelenses deveriam chegar, disparar gás lacrimogêneo e ir embora.”

Os relatórios que elaboramos, ao que parece, acumularam-se no lixo da tragédia.

Um mês antes da guerra, houve uma aparente mudança de abordagem entre algumas observadoras: um oficial superior da Divisão de Gaza veio à sala de operações de um dos postos ao longo da fronteira de Gaza para falar sobre o setor, por isso uma das observadoras decidiram dizer a ele exatamente o que ela estava pensando.

“Eu disse a ele que haveria uma guerra e simplesmente não estávamos prontos”, diz ela, relembrando a conversa. “O que está acontecendo com o Hamas ao longo da cerca da fronteira não é normal. Eu declarei que eles estão zombando das IDF, que nossas mãos estão atadas e nem sequer estamos [disparando] tiros de advertência.”

A resposta do oficial superior foi perguntar o nome dela, olhar para ela com olhos de advertência e “colocá-la no seu lugar” por ter a ousadia de se dirigir a ele diretamente, em vez de recorrer aos canais adequados.

“O oficial superior me disse: ‘Estou no setor desde 2010. Fui comandante aqui, oficial de inteligência, conheço Gaza de dentro para fora e estou lhe dizendo que está tudo bem. Você está aqui há apenas seis meses e eu estou aqui há 12 anos. Conheço o setor como a palma da minha mão.”

Quem conhece o setor há menos tempo – mas ainda a fundo – é Einat, observadora de Nahal Oz. Naquele sábado, ela estava em casa (“no quarto seguro com a família”), mas reconheceu imediatamente o que estava para acontecer.

"Assim que percebi que havia uma infiltração tão grande, disse [à minha família]: 'Há um ataque do Hamas, eles vão raptar soldados e atacar as comunidades residenciais.' Eu até disse a meus familiares que eles viriam com parapentes [aparelho idealizado de uma mistura de asa-delta e paraquedas, com o qual se salta de uma elevação para descer planando]. Eles olharam para mim como se eu fosse louca. Comecei a gritar que sabíamos que haveria algo e ninguém nos ouviria.”

Depois começaram a chegar as mensagens das amigas do posto, além das fotos e vídeos dos palestinos no Telegram. “Estávamos vendo como eles assassinavam nossos amigos e como levavam outros para Gaza”, lembra ela. “Não consigo descrever a frustração, a sensação de abandono por parte dos comandantes superiores. Emitimos avisos, dissemos aos nossos comandantes, mas somos considerados a base da cadeia alimentar da divisão [e portanto sem qualquer importância].”

Em resposta a este artigo, a Unidade de Porta-vozes das IDF declarou: “As IDF e os seus comandantes consideram igualmente todos os militares, homens e mulheres, que estiveram presentes durante os acontecimentos de 7 de outubro. Os militares, homens e mulheres, são acompanhados por profissionais médicos do sistema de saúde mental. Isso se soma ao contato contínuo dos comandantes, de tal sorte a caracterizar um sistema de apoio e de ouvido atento. O retorno aos seus postos será gradual e sensível, supervisionado e de acordo com a condição de cada pessoa. Não há intenção de medidas disciplinares contra ninguém. Se houver quaisquer conversas que possam sugerir o contrário, elas não estão em concordância com as normas e terão tratamento adequado.”

 

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