Reproduzo neste blog o artigo escrito para um dos livretos concebidos para as celebrações do Cinquentenário da Turma Marechal Mascarenhas de Moraes, formada na Academia Militar das Agulhas Negras em 1972.
Radar de Defesa Antiaérea SABER M60
“Se a solução não existe, nós a inventamos”
(Parodiando Átila: “Se não encontrarmos o caminho, nós abrimos um”)
Por ocasião da investidura no cargo de Diretor do Campo de Provas da Marambaia (CPrM), no início de 2003, lá encontrei, indisponível há mais de dez anos, o radar de trajetografia Adour, fabricado pela empresa francesa Thompson. Esse radar fora adquirido na década de 1970 com o objetivo de apoiar o desenvolvimento de artefatos bélicos, com ênfase para foguetes e mísseis.
Foram feitas as seguintes tentativas de ajuste atinentes ao radar de trajetografia: recuperação do radar Adour por meio de empresa especialista brasileira; recuperação do radar Adour por meio de engenheiros e técnicos do CPrM; compra de um novo radar de fabricação norueguesa; e desenvolvimento de um radar nacional por meio da empresa Orbisat (cujo conhecimento se deu em decorrência da conversa de dois oficiais superiores no almoço do 2º ano da Escola de Estado-Maior do Exército [ECEME] em visita ao CPrM). Os valores envolvidos ou a falta de experiência impediram a solução.
Aí, o imprevisível cumpriu bem o seu papel. Houve a interseção dos esforços para a obtenção de um radar de trajetografia para o CPrM, com os estudos de mais de uma década em curso no Centro Tecnológico do Exército (CTEx) para desenvolvimento de radar, e com a prioridade da Alta Administração do Exército, que era a aquisição ou o desenvolvimento de um radar de defesa antiaérea. Nesse sentido, as interações entre o CPrM, o CTEx e a empresa Orbisat, à luz da orientação do Estado-Maior do Exército (EME), levaram à mudança do foco para a obtenção do radar requerido para a Artilharia.
Ao assumir a Chefia do CTEx, em 2006, um dos primeiros problemas a enfrentar foi o desencadeamento da pesquisa, desenvolvimento e produção do radar de defesa antiaéreo brasileiro. A partir do primeiro momento do processo — e à medida que o aprendizado evoluía — as demandas foram se acumulando e sendo solucionadas.
Dentre as principais demandas podem ser ressaltadas as seguintes:
– contratação da empresa Orbisat;
– obtenção de recursos financeiros (a verba destinada pelo EME era R$ 4 milhões e foram necessários mais de R$ 20 milhões);
– alocação de pelo menos 5 engenheiros recém-formados no IME no escritório instalado em Campinas;
– apoio de engenheiros de outras instituições como o Instituto Militar de Engenharia (IME) e o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) — as duas melhores faculdades de Engenharia do País;
– convênio com a UNICAMP, visando à obtenção de tecnologia não disponível no âmbito da Engenharia Militar;
– apoio de um oficial combatente com curso de Estado-Maior da ECEME e com vivência em Artilharia Antiaérea (ArtAAe);
– viagem para a França para a obtenção de dados e para a aquisição de componente secundário — os franceses se negaram a vender, e tornou-se necessário uma viagem de emergência para a Polônia; e
– viagem para Israel, para obtenção de dados operacionais sobre a funcionalidade de radar.
Solicitei ao gerente do projeto a escolha de um nome para o radar. À guisa de motivação, mencionei que para fundamentar minha dissertação de mestrado, desenvolvi o sistema computacional, baseado em Inteligência Artificial, a que atribuí o nome SABER (sigla de Sistema especialistA Baseado em framEs e Regras), cujo objetivo era diagnosticar avaria da caixa de transmissão múltipla de uma viatura sobre lagartas.
No dia seguinte, o gerente do projeto propôs o seguinte nome: Sistema de Acompanhamento de alvos aéreos Baseado na Emissão de Radiofrequência (SABER). Seria impossível encontrar algo mais adequado, isto é, o nome indicava a tecnologia essencial do artefato; e a sigla indicava sua funcionalidade que era SABER a ameaça inimiga. O radar que estava germinando fora definitivamente batizado.
Destarte, na condição de observador privilegiado, pude testemunhar ─ da alvorada do radar SABER M60 (presidindo a assinatura do contrato pelo Ordenador de Despesas) aos primeiros testes operacionais, no Rio Grande do Sul, no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Amazonas ─ o épico desempenho de equipes dedicadas, capazes e obstinadas de engenheiros militares e servidores civis, do valoroso CTEx, na consecução de uma demanda imperiosa do Exército e fundamental para o País. Essas e outras equipes entregaram para o Exército pelo menos cinco artefatos bélicos que jamais tinham sido pesquisados, desenvolvidos e produzidos no Hemisfério Sul. Um deles foi, naturalmente, o radar SABER M60.
A história da Humanidade, escrevem-na com glórias, os que não se acomodam e buscam a autonomia com tenacidade e pertinácia; os que acreditam que é possível enfrentar as potências detentoras de poder, sobretudo o poder tecnológico; e os que creem que o ente humano e seu talento são o principal insumo de qualquer empreendimento. Nesse sentido, a qualidade e a qualificação dos brasileiros colocam-nos em pé de igualdade com os nativos dos países desenvolvidos.
Para eficácia de consulta, as siglas utilizadas no artigo são aqui repetidas.
CPrM – Campo de Provas da Marambaia
CTEx – Centro Tecnológico do Exército
ECEME – Escola de Estado-Maior do Exército
EME – Estado-Maior do Exército
IME – Instituto Militar de Engenharia
ITA – Instituto Tecnológico da Aeronáutica
UNICAMP – Universidade de Campinas
ArtAAe – Artilharia Antiaérea
SABER – Sistema de Acompanhamento de alvos aéreos Baseado na Emissão de Radiofrequência
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