sábado, 12 de julho de 2025

Carta para Alessandra

"O lavrador perspicaz conhece o caminho do arado."
Homenagem a Oscar Barboza Souto, antigo lavrador, garimpeiro, comerciante, tabelião e juiz de paz.
In Memoriam.

Querida filha!


Durante a Festa Junina de sua turma de Medicina, em nossa casa, senti vontade de dirigir algumas palavras para você e seus colegas, jovens acadêmicos da rainha das profissões. Desisti de meu intento, diante da possiblidade de causar algum constrangimento a você pela inusitada iniciativa.


Após a saída de todos, resolvi transformar o improviso que teria proferido, nos garranchos apresentados a seguir. 

 

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Caros jovens colegas da querida filha Alessandra!

Como alguns sabem e a maioria percebe, tenho antecedentes remotos no universo indígena. 

Permitam-me lembrar a fábula de uma antiga tribo:

“Os idosos são donos da história. 

 Os adultos são donos da tribo. 

 Os jovens são donos do mundo.”

Então, parodiando essa fábula, na atual quadra da vida, vocês pertencem ao universo dos donos do mundo. E acrescento que, ao deixarem a universidade, na condição de adultos e médicos, vocês continuarão donos do mundo. A razão é simples: ao longo da trajetória, em face da nobre profissão escolhida, cada um de vocês estará  associando trabalho com talento, planejamento com instinto, disciplina com liberdade e impulsão com ética.

É inevitável! Sim, porque, diante do paciente, o clínico faz o diagnóstico, prescreve a receita e pensa:

“Estou tentando contribuir para sua salvação. Contudo, sua morte, eventualmente, poderá ocorrer! Em face de minha ação ou como resultado da condição humana?”

Ao inserir o bisturi no corpo do paciente, o cirurgião descobre que algo não previsto na literatura, não mencionado por professores e sequer imaginado, estava presente. O que fazer? Em poucos segundos, é preciso pensar, decidir e agir sem hesitação. Ele adota o procedimento que sua mente concebeu e pensa: 

“Se estiver certo, eu o salvarei! Do contrário, serei responsável por contribuição para que ele encontre a vida eterna?”

Como soldado, recordo que, às vezes, o comandante precisa determinar que a equipe cumpra uma missão na qual alguns ou vários encontrarão a morte. Nesse sentido, ele está dando a ordem para que eles se sacrifiquem; e ele pensa: 

“Eu sou o responsável ou é uma imposição do cumprimento do dever para com as pessoas a quem sirvo?” 

Qualquer que seja a resposta, é inimaginável que o militar renuncie à transmissão da ordem com a caminhada para a tragédia.

Nesse contexto, encontro similaridades entre as indagações de médicos e soldados. Afinal, quando o poeta John Donne, no século XVII, perguntou: 

“Por quem os sinos dobram?”

Ele próprio respondeu: 

“Eles dobram por todos nós!”

Eu me permito acrescentar: 

“Eles dobram por todos nós, uma vez que quando alguém se vai, um pouco de cada um de nós segue junto.”

 Caríssimos jovens!

Queiram ressalvar minhas alegorias fora de contexto. Minha modesta oração tem os seguintes objetivos:

– transmitir um efusivo agradecimento por nos dar a honra e o privilégio de terem especial consideração com nossa filha Alessandra; 

– transmitir a inexcedível satisfação de permitir que nossa família possa recebê-los em nossa casa em cima do mundo; e

– cumprimentá-los por pertencerem a uma turma que, da observação distante, é fortíssima e incomum — vale lembrar o que todos sabemos: habitualmente, excelentes alunos são a exceção e, no caso da turma de vocês, houve uma inversão, excelentes alunos são a regra.

Enfim, agradeço pela paciente atenção (sem trocadilho!), fazendo votos de que jamais abandonem ou renunciem à possibilidade de construção de um mundo melhor, que está no cerne da opção e vocação de cada um de vocês; que jamais abandonem ou renunciem à alegria, tão bem expressa nesta magnífica Festa Junina, dado que o trabalho e o talento, já mencionados, se potencializam quando explorados em ambiente de alegria.

Muitíssimo obrigado, também, pelos inexcedíveis exemplo e referência de todos.

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Querida filha!

Especial cumprimento para você, por ter feito parte da organização da magnífica Festa Junina que testemunhamos com muita alegria e orgulho.

Beijos,

Pap


 

Turma 115 – Medicina da UnB – Festa Junina na Casa em Cima do Mundo.
Brasília, 12/Jun/2025.

Amostra masculina da turma 115 – Medicina da UnB – Festa Junina na CCM.
Brasília, 12/Jun/2025.

Amostra feminina da turma 115 – Medicina da UnB – Festa Junina na CCM.
Brasília, 12/Jun/2025.

 


9 comentários:

  1. [Nota esclarecedora]

    Transcreverei neste espaço as mensagens recebidas, em particular, de familiares e amigos.
    ARS

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  2. [OAA]

    Maravilhosa mensagem de reconhecimento e amor. Parabéns a Alessandra e ao Pai.

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  3. [AV]

    Parabéns Alessandra!!!!
    Pela alegria de viver e transmitir a todos aqueles que estão a seu redor. Que muitas festas aconteçam. Beijos!!!
    Te amo muito.

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  4. [AC]

    Abraços. Boa decisão, aqui foi um fórum apropriado, na Fesa Junina... o quentão e o milho cozido... ARRASOU!

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  5. [PGG]

    Essa pessoa gentil e generosa nada comentou, porém, leu o texto e, tomada de emoção, chorou!

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  6. [OAFGG]

    Catorze outros amigos e familiares também gentis e generosos postaram "gostei".

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